Por: Fernando Engenheiro
João Correia Peixoto, seu pai, ainda muito novo, no último quartel do século dezanove, deixou a Vila de Sesimbra, onde nascera na freguesia de S. Tiago a 19/4/1876.
Rumou a Peniche, deixando para trás sua família, e aqui fixa residência, trabalhando por algum tempo com a profissão de caixeiro.
Assentou praça pela Comissão Recenseadora Militar do Concelho de Peniche a 29/9/1896. Logo após o cumprimento dos deveres militares a que foi sujeito, aos 22 anos de idade, com uma vida inteira pela frente, quis aventurar-se rumando à então Província Ultramarina de Angola. Embarcou no vapor ''Malange'' a 12 de Fevereiro de 1898, para uma estadia de 1898/1902, na cidade de Luanda.
Tinha como destino encontrar-se com o Governador daquela antiga Província logo após o seu desembarque, que ocorreu a 7 de Março daquele ano.
Por aquelas bandas enriqueceu os seus conhecimentos nos ramos do comércio e da indústria piscatória. Em 1906, em Peniche, já fazia parte de uma firma comercial denominada "António Canha & Peixoto” e em 1910 era sócio de um barco de pesca com a designação "José Acúrcio Nunes Rego de Carvalho & Peixoto".
Depois da implantação da República, já como proprietário, comerciante e industrial de pescarias, a 27/8/1911, faz o seu voto perante a provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Peniche como irmão daquele estabelecimento pio. A 14/7/1915, depois de fazer parte de diversas comissões de âmbito municipal, é nomeado pelo Governador Civil do Distrito de Leiria Administrador Interino do Concelho de Peniche. A seu pedido foi exonerado deste cargo a 22 de Setembro do ano seguinte.
Aos 42 anos de idade, com uma vida próspera pela frente já que esta lhe sorria de dia para dia, vitimado pela mortífera epidemia que então ficou conhecida pela “pneumónica", faleceu a 28/10/1918.
Deixou viúva D. Umbelina Cândida Ferreira Peixoto e um filho varão de tenra idade (11 anos) nascido a 5/10/1907. Este fora baptizado na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Conceição, em Peniche, de onde era natural, pelo Padre José Cândido Gualberto da Costa Leal, Pároco do lugar e freguesia de Serra de EI-Rei. Foi-lhe dado o nome de LUÍS DE GONZAGA FERREIRA CORREIA PEIXOTO.
Era então administrador espiritual da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição o Padre Manuel das Neves Barata, a quem foi formulado o necessário pedido, por seu pai, pelas suas vinculadas amizades políticas de então, fazer questão em ser o Padre José Cândido o celebrante do acto. Foram padrinhos Artur Correia Peixoto e Olímpia Correia Peixoto, sua esposa, proprietários, residentes em Sesimbra.
Com a idade própria frequentou o ensino primário elementar num antigo edifício que servia ambos os sexos situado na antiga Rua da Ponte (hoje integrada na actual Rua Alexandre Herculano) em frente do Jardim Público da Cascata, em Peniche. No ano lectivo de 1917/1918, já estava em pleno funcionamento o novo edifício escolar hoje popularmente conhecido por "Escola Velha", mas com a designação oficial de "Escola Primária n.º 1".
Ao que nos é dado saber foi seu mestre durante a instrução primária Francisco Maria Freire, sendo um dos primeiros alunos que este leccionou após a entrada em actividade como professor em Peniche, a partir de 1913. Seu pai ainda testemunhou com orgulho o resultado do seu exame da “4.a classe” com a classificação de "distinção". Dos 10 alunos que naquele período foram propostos a exame só dois foram agraciados com aquela classificação, por proposta apresentada pelos examinadores, a 5/8/1918, Santos Lima, professor primário em Serra de EI-Rei, e D. Urbana Trindade, também professora do ensino primário em Peniche. Foram eles Luís Gonzaga Ferreira Correia Peixoto e Manuel Gustavo Monteiro Seia.
Seu pai, com o orgulho e a alegria que lhe ia na alma, quis testemunhar a sua gratidão pelo ensino que proporcionou tão boas provas de exame a seu filho oferecendo ao professor Francisco Freire um relógio de pulso (objecto de luxo e raro para a época). Falecendo pouco depois, já não lhe foi possível acompanhar a preparação para o futuro do seu filho que, após concluir a instrução primária, frequentou o Liceu Camões onde concluiu o curso liceal em 1924.
Luís Correia matriculou-se depois na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que frequentou durante dois anos. Aos 20 anos de idade, em Janeiro de 1927, ainda estudante, foi recenseado pela freguesia de Conceição (Peniche), sob o n.º 105. Foi inspeccionado pela Comissão Militar dos Serviços de Defesa tendo como resultado o adiamento de incorporação.
Contra a sua vontade, não lhe foi possível continuar os estudos que lhe permitiriam obter um curso superior, vindo para Peniche, na companhia de sua mãe, dar continuidade à actividade de seu pai como armador. A sua frota possuía as chamadas "armações à valenciana" cuja acção se prolongou até 1941. Mandou construir novas embarcações (traineiras) e torna-se um dos maiores armadores de pescarias da frota de Peniche, actividade que manteve de 1928 a 1965.
Aos 26 anos de idade, a 31 de Março de 1934, na Vila da Lourinhã, é celebrado o seu casamento civil com D. Ivone Guizado Pereira Coutinho, natural de Peniche, filha de António Pereira Coutinho e de D. Aida d'Assumpção Guizado Pereira Coutinho, e no mesmo dia, na capela de Ribeira dos Palheiros, freguesia de S. Lourenço dos Francos, nas imediação da Quinta do Rol (propriedade de seu sogro), realizou-se o matrimónio católico.
Os primeiros dois anos da década de 40 constituíram uma página negra na sua vida. Na noite de 20 para 21 de Setembro de 1940, junto à costa entre S. Jacinto e Ericeira, deu-se o naufrágio de um dos seus barcos de pesca registado na praça de Peniche com o nome de “Umbelina Maria". Aí perderam a vida 13 pescadores e um manto de luto pairou sobre Peniche, onde ainda hoje é lembrada aquela tragédia. E a 24 de Fevereiro de 1941 morre em Lisboa, onde residia, sua mãe, D. Umbelina Cândida Ferreira Correia Peixoto, que ele muito amava.
Mas a vida não parou para o Senhor Luís Correia, detentor de considerável poder económico. Em 4 de Outubro de 1946, com outros 20 sócios, constitui em Peniche uma sociedade tendo como objecto o comércio e indústria de fabrico de gelo, congelação e conservação, pelo frio, de peixe e outros produtos alimentícios, empresa a que foi dada a denominação de "Sociedade Frigorífica de Peniche, Limitada".
Para a primeira gerência, com os mais amplos poderes, foram nomeados os sócios Joaquim Faria Júnior, Luís Correia Peixoto e João Nunes dos Santos.
Nova gerência se formou em Janeiro de 1947, conservando-se o Senhor Luís Correia à frente dos destinos daquela Sociedade, com enorme dedicação, até 1968.
Mesmo com o seu tempo bastante preenchido, aceitou a presidência da Direcção do Clube Recreativo Penichense em 1950, sendo no decurso do seu mandato que esta colectividade consolidou a propriedade do terreno onde há muitos anos foi implantado o edifício da sua sede, no Jardim Público de Peniche, adquirindo-o à Fazenda Pública.
Honrando a oferta de uma máquina fotográfica que lhe foi feita por sua mãe ao terminar o l.º ano do Liceu, tornou-se um profundo conhecedor da fotografia a que, como amador, se dedicava desde 1919. Foi, assim, um respeitado e muito premiado artista nesta matéria.
Concorreu a certames do género, nacionais e internacionais, obtendo algumas excelentes classificações, nomeadamente, entre outros:
Em 1951 - "VII Concurso Nacional de Fotografia Artística - Espanha - (II Ibérico) – 1.º prémio;
1953 - "VI Internationale Ausstellung" - Viena - Medalha de Bronze;
1953 - "IX Concurso Nacional de Espanha" (IV Ibérico) - Secção de "Paisagem" – 5.º prémio;
1954 - "Salon Internacional du Groupe des Dix" - Roubaix - França;
1955 - "XIII Salon Internacional Albert l.er" França;
1971 - "III Salão Internacional de Fotografia de Mar" - Lisboa;
1976 - "V Salão Internacional de Fotografia de Mar" - Póvoa do Varzim.
Em 1957 fez parte dos Corpos Directivos do Grupo Desportivo de Peniche presidindo à sua Direcção. Desde a sua fundação foi também colaborador da Associação dos Bombeiros Voluntários de Peniche.
Depois da morte de sua esposa, ocorrida a 25 de Setembro de 1987, quando já se encontrava com a avançada idade de 80 anos e só lhe restava como ligação directa de laços familiares a sobrinha de sua esposa, terá sentido necessidade de encontrar novas formas de combater a solidão que, compreensivelmente, se terá convertido em pesadelo.
Tinha deixado para trás o seu passatempo favorito: a “caça", em especial a batida às raposas, que tanta alegria lhe dava. Os amigos que o acompanhavam nessa actividade já tinham falecido ou, pela força das circunstâncias e das suas idades avançadas, haviam posto as armas de parte. Lembro aqui os seus companheiros – o médico Dr. António Augusto Pires de Carvalho e o farmacêutico Sr. António Pinto Curado - nas suas constantes caçadas nas épocas próprias.
A sua dinâmica vida de industrial e armador já tinha cessado há alguns anos, mas ainda tinha muito para nos dar.
Foi na sequência de um convite que lhe foi feito para proferir, em reunião do Rotary Clube de Peniche, uma palestra sobre a pesca da sardinha em Peniche, que decidiu, aos 84 anos de idade, publicar o seu primeiro livro: "Apontamentos para a história da pesca da sardinha e da construção naval em Peniche". Dois anos depois deixou-nos um manancial de imagens desta cidade publicando “Peniche - 100 anos através da fotografia”. Em 1996 (e quando o autor estava já à beira dos 90 anos de idade) editou: “Peniche - Pormenores que testemunham o passado". A seguir, em 1999, fomos brindados com o seu quarto livro: "Casos lembrados e gentes". Em 2002 publicou "Subsídios para a história da arte de anzol, redes de emalhar e covos" .
Finalmente em 2003, aos 96 anos de idade, o Senhor Luís Correia apostou em brindar-nos com um valioso testemunho de belíssimas ilustrações que o tempo teima em apagar da nossa memória. Trata-se do álbum: "Bilhetes Postais Ilustrados".
Com estas cinco publicações deixou-nos o Sr. Luís Correia Peixoto um vasto leque de imagens e conhecimentos que muito contribuem para o desenvolvimento cultural da nossa terra.
Foi de extraordinário valor a dedicada colaboração que dispensou à criação do Museu Municipal quando da sua instalação na Fortaleza de Peniche, colaboração imprescindível no que respeita à actividade piscatória e da construção naval nesta cidade. Refira-se que doou ao Museu muitas das mais diversas peças relacionadas com a vida marítima, de várias épocas, hoje ali expostas a regalar os olhos dos seus visitantes.
A Câmara Municipal de Peniche reconhecendo os seus méritos, por deliberação tomada em reunião de 30 de Novembro de 1993, agraciou-o com a Medalha de Mérito Municipal da Cultura, cunhada em prata.
A mesma Câmara, por deliberação de 21 de Fevereiro de 2000, atribuiu o seu nome a uma das ruas da nossa cidade.
Com muitas saudades dos seus amigos e admiradores, deixou-nos para sempre, com quase noventa e sete anos de vida, a 29/7/2004.
O seu corpo jaz depositado no jazigo por ele mandado construir na década de 60 no Cemitério Municipal de Peniche, acompanhado de sua esposa, seus sogros e seus pais (estes últimos trasladados de Lisboa a 16/11/1971).
Que descanse em paz!
quinta-feira, novembro 26, 2009
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