quarta-feira, novembro 18, 2009

A AVENIDA DO MAR, O LARGO DA ANTIGA RIBEIRA E OS ARRUAMENTOS ADJACENTES

Por: Fernando Engenheiro
Foi a partir do século XVI, com D. João III que Peniche se tornou terra fortificada. Foi no século seguinte, com D. João IV, que foi feita "praça de guerra de primeira classe", protegida por uma grossa muralha e guarnecida com diversos fortins.
O seu crescimento predial é desde aí condicionado, em grande parte sujeito às determinações dos planos militares, com um traçado obrigatório em certas zonas, embora noutras o crescimento fosse espontâneo.
Reportando-me à zona em questão é de referir que as construções particulares eram, na época, em grande parte, de fraca resistência.
Embora Peniche seja fértil em pedra nem sempre os construtores de casas usavam este material. Havia muita gente para quem bastavam casas modestas, de baixo custo, e, nestes casos, para baratear a obra, fabricavam‑nas com barro, moldando pequenos blocos que cozidos em fornos se transformavam em tijolos ou, mais simplesmente, secos ao sol se convertiam num material mais rústico - o adobe. Qualquer destas práticas apresentava uma importante vantagem: o seu manuseio era fácil, o que tornava rápido o trabalho de construir.
Porque havia então grande necessidade de aproveitar todos os espaços dispensados pelos serviços militares, registou-se um grande desfasamento nas orientação urbanística e nas próprias edificações, como se evidencia num documento já de meados do século dezoito que passo a referir:
Na reunião camarária de 12/8/1752 fervilharam as queixas contra "as cazas desermanadas e de travees que dão feo aspecto na Atouguia e em Peniche" (suponho que não falho lendo "desirmanadas", o que quer dizer separadas e desiguais e de "través", ou seja oblíquas, atravessadas) e contra "as veellas estreitas em Peniche que defficultam a passagem como as da calheta e da lingoeta d'area." (L.º de actas fls. 13 - 1752).
Ali se diz que "algumas cazas são altas em demazia occultando a vista do teso da Vela" (o local de vigia, o ponto mais alto que deve corresponder ao que ainda hoje se chama em Peniche o "Alto da Vela ") pelo que um responsável sugeria "que os que fizerem novas moradas de cazas na vizinhança da Ribeira as fassam em direitura ao Rio, e baixas, e de telhado ao viés" e ainda "que as não possam levantar mais à boca da dita Ribeira, que não he convinhavel às cargas do pescado" (L.º de actas, fls. 13 v., de 1752). A frase é sibilina mas parece entremostrar a intenção de desobstruir a área circum-portuária e deixar bastante desafogo para a vigilância da costa).
Noutra sessão, efectuada três meses depois, volta a repisar-se que "as cazas na Ribeira sejam em correnteza, bem como lojas e almazens de taboado, ruas de muito alinhamento assim como as da cidade".
Isto leva-nos a crer que os vereadores da vila, na época, tinham os olhos postos, audaciosamente, no que se fazia ou havia feito na capital.
Também se nos afigura, pelo que chegou aos nossos dias, que nem todos os alvitres fora acatados, talvez por nem todos terem sido convertidos em posturas obrigatórias...
Isto é fácil de concluir pela desordem das edificações e pela ausência de traçado geométrico que se nota nalguns arruamentos mais antigos (veja‑se o que acontece, por exemplo, com a Travessa da Lingueta com outras ruelas próximas onde ainda há prédios vetustos).
Foi assim o começo do urbanismo de toda aquela área, desde o princípio da actual Avenida do Mar até ao fim das construções no Largo da Ribeira. Implantadas num cerro de rochas em todo o seu percurso, não foi fácil a criação das suas edificações ao longo dos séculos, naquela que já nos princípios do século dezassete era conhecida por "Rua da Frontaria".
Já com toda aquela zona preenchida com construções, edificadas com os alinhamentos possíveis, é a vez agora da Edilidade Municipal pôr mãos à obra no que respeita a sua pavimentação de modo a que circulação se faça ali o melhor possível.
Começam por fazer desaparecer todo o rochedo que se encontra naquela rua, o qual provoca grave impedimento de todo o trânsito. em especial um banco de pedra na embocadura da travessa do Cais (que dá para a Igreja de S. Pedro) para assim se poder proceder a todo a calcetamento até ao Largo da Ribeira. (L.º de Contas de Despesa de 1776/1808 - fls. 33v. - ano de 1780).
Outros bancos de pedra se retiraram para se tornar plana toda a zona, o que na época alterou bastante a cota das soleiras das fachadas de alguns edifícios. Assim só foi possível manter os seus acessos com a construção de escadas em alvenaria no seu exterior ou criando pátios elevados com a mesma finalidade (hoje só uma coisa é visível de tudo o que ficou dessa alteração: os degraus de acesso à Travessa do Cais).
No mesmo ano (1780) o mestre pedreiro António Francisco, com dois companheiros, começa a obra da escada que desce da rua do Cais (na época assim conhecida) para o rio sobre o chamado Cais Velho. (Foi substituída, de acordo com projecto da antiga 3.ª Circunscrição Hidráulica, de 20 de Maio de 1889, por uma rampa de 6 metros de largura, com um patamar em cima de 6x6m, e com a inclinação de 15% em 32,20 m. de comprimento).
Ao longo dos anos outras obras se foram executando, como o calcetamento de um recanto no Largo da Ribeira, em Março de 1844, ao cimo do designado na época "Portinho do Padre Amaro" (hoje conhecido por Portinho do Meio), com destino a servir de praça de peixe, por outra não haver na Vila. Criaram-se canalizações em alvenaria nas lojas de preparação do peixe para estas fazerem os despejos por essa via direito ao mar e foi mandado abrir um poço de mergulho no Largo da Ribeira, com a devida autorização dada a 13/7/1908 pelo Chefe do Estado Maior da l.ª Divisão Militar, para dali extrair água para diversas utilizações.
Na mesma época foi feito o pavimento em lajes do restante que faltava
até à praia do Portinho de Revés (hoje desaparecida pelas obras de alteração no Porto de Pesca) para funcionarem na extremidade Sul, a céu aberto, os serviços de vendagem do peixe, em expositores desmontáveis em madeira. (Só foi possive1 a sua desactivação aquando da construção, pela Câmara Municipal de Peniche, do edifício da Lota no antigo Forte das Cabanas nos princípios da década de 40).
No início da década de 50 foi objecto de grande remodelação toda aquela área, desde o Largo do Município (inclusive), actua1 Avenida do Mar, Largo da Ribeira, Portinho de Revés e antiga rampa que dava acesso ao Campo da República.

APONTAMENTOS DIVERSOS.
A actual Avenida do Mar teve ao longo dos séculos as seguintes designações toponímicas:
Foi o seu primeiro nome "Rua da Frontaria", assim conhecida até ao século dezoito. Depois Rua do Cais, nome que foi substituído por "Rua Conselheiro António José Enes", por deliberação camarária de 29/1/1891. Com a Proclamação da Repúb1ica Portuguesa a 5/10/1910, o seu nome voltou a ser alterado, por de1iberaçlo camarária de 20/12/1910, para "Rua Almirante Reis".
Ao longo de 50 anos não mais teve qualquer a1teração até que em 23/11/1959, por deliberação camarária, foram arreadas as placas toponímicas e passou a ser designada pelo nome de "Avenida Engenheiro José Frederico U1rich" (o Ministro das Obras Públicas que naquela época apoiou o Município para a realização das obras que então modificaram todo o aspecto dos arruamentos da Vila, desde o Portão de Peniche de Cima até à Ribeira - obras que implicaram, com a construção de uma nova muralha, forte alargamento da via a que foi dado o seu nome).
Nova denominação lhe foi dada com as alterações toponímicas resultantes da nova situação do País depois de 25/4/1974. Passa a ser designada por "Avenida do Mar" por deliberação camarária de 22/1/1975.
Também outros recantos adjacentes à mesma artéria mudaram de nomes ao longo dos séculos como, por exemplo, o Portinho do Meio, que foi conhecido por "Portinho da Rua da Frontaria" (L.º de escrit. de 1690/1692, fls. 6v a 7v - 7/8/1690) - "Portinho dos Ericeiros" (L.º de Contas de Despesa de 1716/1808, fls. 25, ano de 1779), época em que também era conhecido por "Portinho do Padre Amaro".
O "Padre Amaro" era um sacerdote do hábito de São Pedro, de nome Amaro Francisco Delgado que foi proprietário de prédios situados em frente do Portinho.
Também a Doca foi conhecida por "Rio" ou "Cais", bem como a sua entrada por "Boca do Rio", "Ponta de Investida" e até por "Alves do Rio" (comerciante que tinha os seus armazéns no Forte das Cabanas, junto da entrada da doca).
Ultimamente o terreno a nascente adjacente à doca foi baptizado por "Pátio das Gaivotas".(Não houve deliberação camarária... Foram os grandes bandos de gaivotas que o elegeram para nele pousarem e ali se manterem...).

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