Por: Fernando Engenheiro
ANTÓNIO MARIA DE OLIVEIRA foi seu nome completo, filho de Manuel Duarte de Oliveira e de Teresa de Jesus Caeiro, natural da Paroquial de Santa Cruz da então Vila e Concelho do Barreiro, distrito de Setúbal, onde foi baptizado, a 5/4/1885, pouco tempo apôs o seu nascimento ocorrido a 12 de Janeiro daquele ano.
Oriundo de uma família modesta, seu pai, de profissão serralheiro, faleceu aos 42 anos de idade, a 29/5/1892, tendo deixado órfãos 4 filhos menores, sendo o António dos mais novos com 7 anos de idade.
Sua mãe, doméstica, desamparada, sem meios para os sustentar, auxiliada pelo Padre da sua freguesia, Rev. Francisco António Quintão, que intercede, perante a Administração da Real Casa Pia de Lisboa, como Estabelecimento Pio, onde seu filho António possa receber a educação e instrução por caridade. para assim poder dar um pouco de alivio à sua situação económica com elevada carência.
Depois de formar o processo burocrático com a documentação necessária para a sua admissão como aluno interno, gozava de perfeita saúde conforme atesta o facultativo municipal do Barreiro, num documento passado a 01/08/1882. Pela mão de sua mãe, dá entrada naquele Real Estabelecimento Pio a 21 de Fevereiro de 1893. Coube-Ihe o numero de matricula “21 89” que o acompanhou sempre durante o seu internato.
Começa por dar os primeiros passos na primeira classe da instrução Primária, admitido a 28 de Fevereiro, e no mesmo dia procedeu-se à inspecção Sanitária com bom resultado.
Aos 13 anos de idade começa a ter problemas de saúde. É lhe diagnosticado “embaraço gástrico”. Por falta de recursos médicos naquele Estabelecimento é entregue a sua mãe com o subsidio de 30$000 réis anuais por tempo indeterminado aguardando-se suas melhoras para readmissão, que foi satisfeita algum tempo depois.
A 20 de Julho de 1904, já com 19 anos de idade. foi informado pela instituição de o tempo do seu aprendizado tinha terminado e estava apto para ganhar os meios de vida.
Propôs o provedor que ao referido aluno se desse baixa na matricula daquela Casa e se lhe concedesse o respectivo subsidio na importância de 10$000 réis.
Trazia na sua bagagem habilitações que lhe davam grande esperança no futuro. Por razões desconhecidas fixa-se em Sobral de Monte Agraço como desenhador civil o que lhe deu grande prestígio ao longo da sua carreira. Não menos importante foi a pintura artística que lhe vinha dos bancos da escola, onde estudou com altas classificações .
Fez exposições individuais e colectivas com grande sucesso. São disso prova os prémios que na época lhe foram atribuídos. A sua acção artistica e intelectual manifestava-se sempre com o objectivo de lutar por aquilo em que acreditava com o seu saber, explorando o mais possível todo o intelecto desenvolvido durante o período do seu internamento no estabelecimento de ensino que frequentara.
Tinha grandes relações com poetas da época onde também a sua veia artística se manifestava. Além de outras qualidades já mencionadas era poeta, sendo também esplêndido conversador e orador.
Com todos estes predicados, o ambiente intelectual onde estava inserido deu-lhe oportunidade de desempenhar na Câmara Municipal de Lisboa o cargo politico de “Vereado ainda no primeiro quartel do século passado.
Aos 29 anos de idade casou-se com Próspera Magna Perfeita de Carvalho, com 18 anos de idade, natural de Alandroal, filha de um oficial da Guarda Fiscal que na época exercia a sua actividade na fronteira com Espanha (nascida prematuramente em viagem não considerava como sua a terra que a viu nascer).
Muito cedo começou a ter problemas de saúde do foro reumatológico pelo que, para seu tratamento, procurou residir em ambiente marítimo. Fixou residência por algum tempo na linha do Estoril (S. Pedro e Parede). Por conselho médico veio a fixar-se em S. Bernardino, no nosso Concelho, onde, durante a sua estadia por estas bandas, rapidamente foi reconhecido o seu valor e as suas qualidades pelos moradores e veraneantes.
Tendo conhecimento de que o sitio dos Remédios era afamado pelo seu clima na cura de doenças ósseas, aqui fixou residência, na companhia de sua esposa, ocupando a título de aluguer uma casa que pertenceu à familia Barnabé de Peniche.
Não tardou que a sua personalidade se tomasse notada pelas suas qualidades de trabalho. Era então Guarda-Livros de uma das fábricas de conservas de Peniche. (Refira-se que a sociedade penichense da época recebeu sempre muito bem a integração de todos os elementos que eram colocados na gerência ou nos escritórios nos das unidades fabris então aqui instaladas).
Pouco tempo depois, com a saída de Eduardo Helder Caldas Pereira da gestão da Câmara Municipal, de 21/7/1926 a 22/2/1929, foi convidado por politicos influentes de Peniche para presidir à Comissão Administrativa deste Municipio, convite que aceitou.
Esta Comissão Administrativa, em que se encontrava acompanhado pelos Vogais Joaquim Guilherme de Faria Júnior e Miguel Olavo Franco, tomou posse em 11/3/1929 e “arregaçando as mangas” desde logo se mostrou pronta para trabalhar activamente em prol de Peniche e seu Concelho.
No mês de Maio seguinte deram conhecimento ao Ministro do Interior das grandes necessidades deste Municipio apontando os problemas que urgia resolver.
Transcrevo na integra o teor da exposição apresentada:
“Não tem a vila de Peniche colectores nem obra alguma de saneamento, motivo porque as estrumeiras se contam às centenas, dentro das próprias casas, com risco iminente para a saúde pública e se não fosse a acção enérgica desta Comissão Administrativa, que algumas fossas tem obrigado a fazer, e uns pequenos ramais de colectores para o mar (que alguns proprietários têm feito em substituição das fossas, toda a gente manteria junto do quarto de dormir a arrecadação dos seus próprios dejectos. É por isso também que as ruas em Peniche têm sido verdadeiras estrumeiras, e os da Ribeira (local onde desembarca e se amanha o peixe) é qualquer coisa de nauseante que nos envergonha por ser indigno duma nação civilizada.
ÁGUA, também a não tem Peniche, ou antes temo-la a 7 quilómetros, que teremos de cobrir com um cano em cimento armado, de 20 cm. de diâmetro, e que está orçado em 400.000$00 pelo abalizado engenheiro em assuntos desta natureza.
LUZ, igualmente a não tem esta importante Vila, pois ainda hoje se vive em Peniche à luz de antiquados candeeiros de petróleo que nada iluminam, sendo perigosíssima, no inverno principalmente, junto ao cais, a faina dos serviços mar que são, como V. Ex. sabe, importantíssimos Além d isso uma grande parte da vida desta vila é feita de noite, devido às pescas, o que a falta de luz toma difícil, ocasionando por vezes graves desastres, perigando também a vida de quem tem de atravessar as ruas da vila em noites escuríssimas de inverno. O comércio e a pequena industria ressentem-se extraordinariamente desta falta e as lamentações são, por isso, bem justas e dignas da atenção dos poderes públicos.
Peniche não tem um mercado próprio; pelo que, a venda de todos os produtos se faz no seu Rocio, sendo as hortaliças, legumes, frutas, tudo enfim, vendido no chão sempre coberto de imundices por onde toda a gente passa, e onde toda a gente cospe, o que tudo constitui um grave perigo para a saúde publica.
Os serviços de limpeza são tudo o que há de mais rudimentar não havendo um carro capaz para o transporte de lixos, nem uma simples pipa para a rega das ruas.
Peniche, onde se consome uma média anual de 75.000 kilos de carne, não tem um matadouro sendo o serviço de matança feito pela forma mais antiquada e num pátio imundo e indigno do nome de matadouro. A carne abatida é transportada às costas de homens nem sempre asseados, em cima de panos imundos e esfarrapados.”
Era assim Peniche, de tão encantadoras belezas naturais, uma terra atrasadíssima e, por isso mesmo, como ainda hoje acontece, digna do auxílio dos Governos do País.
Muita coisa ainda foi feita durante o curto mandato de António Maria de Oliveira que decorreu de 11/3/1929 a 29/4/1930.
Foi possível , em sessão camarária de 4/6/1929, dar iniciativa à instalação em Peniche de um corpo de bombeiros e, assim, não tardou que naquele mesmo mês, no dia dezasseis, fosse criada oficialmente a Associação dos Bombeiros Voluntários de Peniche.
Era desejo de António Maria de Oliveira, que também acumulava as funções de Presidente da Comissão Municipal de Assistência, a extinção da mendicidade nas ruas.
Procedeu no curto espaço do seu mandato à ampliação do Cemitério para Sul, com uma área destinada ao enterramento de crianças - 2.736 m2 (exploração de pedra, construção de muros de vedação, etc.)
Mas a obra que mais o vinculou para sempre a Peniche foi a “iluminação pública por meio de electricidade na sede do Concelho”. Teve como principais colaboradores os Srs. Joaquim Guilherme de Faria Júnior, Vice-Presidente, Miguel Olavo Franco, Vereador, e Duarte Formoso Pinto, Administrador do Concelho, valiosos auxiliares e dedicados cooperadores em tal obra.
Contraiu-se para a execução da obra um empréstimo de 1.200.000$00 na Caixa Geral de Depósitos, por escritura lavrada a 24/3/1930.
Em tempo “record”, nos primeiros dias de Julho jé se estava nos preparativos para a sua inauguração, que se efectuou no dia 10 de Julho daquele ano.
Estavam presentes os Srs. Governador Civil do Distrito de Leiria e o Ministro do Interior e do Comércio, entre outras entidades civis e militares. O Senhor Vice- Presidente deu conhecimento aos presentes de que o Senhor Presidente não estava presente por se encontrar gravemente doente, a braços com longa enfermidade.
O adiantado estado da doença que atacava o seu frágil corpo - a “artrite reumatoide” - não lhe permitiu sair do seu leito para estar presente naquela cerimônia que tanto desejara.
Depois das cerimónias foi agraciado pelas entidades oficiais que se dirigiram à sua residência, situada na rua D. Luís de Ataíde, atenção que agradeceu da janela do seu quarto de dormir (situado no 1°. andar), já com grande dificuldade pela sua debilidade.
Poucos dias depois, a 16/7/1930, em resultado de uma tuberculose óssea, tendo como companhia no seu leito de morte sua inseparável esposa, faleceu na sua residência aos quarenta e cinco anos de idade.
Peniche viu assim partir António Maria de Oliveira, Presidente da Comissão Administrativa que tanto amou esta terra e que ao seu engrandecimento e progresso dispensou o maior esforço e uma grande parcela da sua vida, precisamente quando muito havia a esperar da sua grande inteligência e capacidade.
Seu corpo deu entrada no Cemitério Municipal de Peniche no dia 18 daquele mês, ficando depositado no jazigo particular da família “Freire de Andrade”, a título provisório, aguardando o seu depósito definitivo em mausoléu a mandar edificar.
Em sessão camarária de 29/7/1930, sob a Presidência de Armando de Sampaio Sena, ladeado pelos Vogais Francisco de Freitas Trindade e Miguel Olavo Franco, sendo Administrador do Concelho
e Vogal da mesma Comissão Joaquim Guilherme de Faria Júnior foi proposto que se lançasse na respectiva acta um voto de profundo sentimento pela morte do Presidente da Comissão Administrativa, Sr. António Maria de Oliveira e que, como reconhecimento da obra colossal que deixou feita, à frente da qual se encontrava a instalação da luz eléctrica, se desse o seu nome ao largo do município, o que não se concretizou.
Passado algum tempo, a 19/8/1931 , procedeu-se à trasladação dos restos mortais de António Maria de Oliveira. saudoso Presidente, para o mausoléu mandado erigir por um grupo de amigos. Nele foi gravada com a seguinte inscrição: “Antônio Maria de Oliveira - Falecido a 18-7-30 (sic) -Pelo grande impulso dado ao progresso de Peniche, como Presidente da Câmara desde Março de 1929 a Julho de 1930 - Reconhecimento eterno de um grupo de amigos e do Município de Peniche’
Mais tarde, prova de que Peniche nunca esqueceu a ilustre personalidade que serviu Peniche com todo o carinho e dedicação, em reunião camarária de 2 de Janeiro de 1962 (L. de actas n. 16, de 1961/1962), foi deliberado atribuir o seu nome, perpetuando a sua memória, a uma das artérias da então Vila de Peniche (a antiga Rua das Arieiras, situada entre a actual Rua Luís de Camões - anti- go caminho do Cemitério - e a Rua de São Marcos.
APONTAMENTOS DIVERSOS:
Neste número publicamos uma foto da casa na Rua D. Luís de Ataide onde residiu e faleceu António Maria de Oliveira. Esta casa, situada entre a Travessa do Bom Sucesso e a Travessa do Desembargador, foi há uns anos demolida para dar lugar a outra construção. Da sua janela António Maria de Oliveira podia então observar o andamento dos trabalhos de construção do edifício da nova Central Eléctrica e os operários que ali actuavam habituaram-se a ver o seu vulto a observá-los com um óculo. Quando a doença já não lhe permitia abeirar-se da janela, o Senhor Oliveira mandou colocar junto dela um manequim simulando a sua figura para que os operários, sentindo-se observados, não abrandassem o ritmo do seu trabalho...
Peniche, Julho de 2008.
segunda-feira, setembro 08, 2008
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