Por: Fernando Engehneiro
Ao recuarmos um pouco quanto à sua ascendência verificamos que seu pai, Lino João Franco, era natural de Leiria, nascido na freguesia da Sé em 1849, que, apôs o cumprimento dos seus deveres militares, concorreu aos serviços alfandegários sendo colocado em Peniche na década de 70 do século dezanove. Apôs o plano de organização militar do corpo da Guarda Fiscal, criado pelo Decreto n. 4, de 17 de Setembro de 1885 passou a fazer parte daquela entidade como elemento da guarda fiscal.
Por cá formou família com o seu casamento com Gertrudes da Piedade, natural de Peniche, filha de Joaquim de Matos Bilhau (pai) e de Rosa Hita, ocorrido por volta do ano de 1875. Tiveram os seguintes filhos: Armando Franco - MIGUEL OLAVO FRANCO - João Faustino Franco e José Cândido Franco.
Consta no registo de nascimento de MIGUEL OLAVO FRANCO, na freguesia de Ajuda, de Peniche, ter nascido em 1877 no dia 29 de Julho.
Na época apenas algumas crianças com situações privilegiadas pelo amparo económico de seus pais iam para a escola aprender as primeiras letras e poucas, se possível, iam além.
Miguel Lino, como assim jé era conhecido, fez aos 10 anos de idade, a 27/7/1888, exame final das disciplinas do curso elementar da instrução primária neste concelho com a classificação de “Suficiente”. E curioso notar que para o efeito foi criada naquele ano, a 6 de Julho, uma Comissão Inspectora de exames no Concelho de Peniche para examinar 9 alunos do sexo masculino e 7 do feminino, júri de exames que teve como Vogais efectivos o Sub-Inspector deste Circulo Escolar, o Reverendo Padre Joaquim Gomes de Jesus, Ilídio Alberto Mendonça, Professor Oficial, e José Acúrcio Nunes Rego de Carvalho.
Na mesma época tinha sido criada em Peniche, por carta de Lei de 30 de Junho de 1887, uma escola de desenho inaugurada, em 26 de Setembro do mesmo ano, pelo Inspector Fonseca Benevides em representação do Governo. Foi designada por “Escola de Desenho Dona Maria Pia”.
Nesta escola, além do ensino profissional de rendas a alunas, foi ministrado o ensino do desenho industrial do ramo ornamental a alunos dos dois sexos. Migue Lino a conselho de seus pais, matriculou-se, frequentando o curso com bons resultados.
Na idade própria, em 1897, procedeu ao cumprimento dos seus deveres militares apresentando-se à Comissão Recenseadora do Exército e da Armada, aprovada pelo Decreto de 6/8/1896, constituída pelo Presidente Antônio Januàrio Nunes Rego de Carvalho e pelo Prior da Freguesia de Ajuda Padre Constantino Alvarez Alvarez.
Já na época se apresentou com a profissão de Carpinteiro que abraçou em primeiro plano ao Longo da sua vida.
Instalava-se por todo o País a organização maçônica, bastante desenvolvida após a Implantação da Republica. Em Peniche foi criada, no rés-do-chão de um prédio situado no Largo D. Pedro V, uma sede da Maçonaria designada por “Loja PROGRESSO”. (Tratava-se de uma sociedade secreta constituída por elementos ajuramentados também secretamente). Miguel Lino, como outros elementos na época, quis fazer parte desta sociedade. A sua iniciação data de 17/11/1910, teve o numero 27 de inscrição e foi-lhe atribuído nome secreto de “Bombarda” . ,
Aos 34 anos de idade, a 18/10/1911 , na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Ajuda, foi celebrado o seu casamento com Olívia Seia, de 32 anos de idade. rendeira (rendilheira), residente na freguesia de S. Pedro onde fora baptizada, filha de António Matias Seia e de Maria Cândida, naturais também de Peniche.
Duas filhas deste casamento, Maria Violeta Franco e Maria Ilda Franco, faleceram aquando da terrível epidemia, designada por “Pneumônica”, que dizimou o País em 1918.
Ainda solteiro, para preparar a sua vida futura, quando o casamento se aproximava, celebrou, a 18/12/1910, contrato de arrendamento com Jacob Baptista Ribeiro Guizado para ocupar o rés do chão da sua habitação, na antiga rua do Assento, actual rua dos Hermínios, para ali instalar uma oficina de carpintaria de apoio a construções e reparações, bem como marcenaria clássica, ambas as profissões da sua especialidade.
Republicano assumido, fez parte, a 7/10/1910, dos cidadãos que compareceram no edifício dos Paços do Concelho de Peniche para hastear a nova bandeira e proclamar a Rept Portuguesa, conforme consta do auto que se lavrou com a sua assinatura bem patente.
o seu ambiente familiar novamente se alegrou com o nascimento de um filho a 3/11/1919 (Miguel Lino Franco), de um outro em 7/6/1 922 (Lino Antônio Franco) e ainda, a 7/9/1925 de um outro (João Lino Franco).
A convite do empossado Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Peniche Eduardo Helder Caldas Pereira, passou a fazer parte daquela Comissão, conforme alvará passado pelo Governador Civil do Distrito em 17/7/1926.
Ao serem distribuídos os diversos pelouros pelos membros daquela Comissão Administrativa, em boa hora coube a Miguel Lino, além de outros, o pelouro do Cemitério Municipal de Santana.
Foi difícil a reorganização do cemitério pois foi encontrar aquele serviço absolutamente desprezado, quer no que respeita à escrita quer quanto à identificação dos covais. Os cadáveres era inumados por todo o espaço disponível sem qualquer orientação. Miguel Lino meteu mãos à obra e começou a tentar resolver os graves problemas que ali encontrou.
Começou por abrir ruas, dividir talhões, alinhar as sepulturas por filas, identificar os covais e separar os dos adultos dos das crianças, criando dois espaços distintos.
Foi longo este trabalho conforme prova o oficio da Câmara Municipal de Peniche datado de 3/2/1933, que passo a transcrever na integra:
Anos depois, a 24/10/1940, numa parte da acta da sessão camarária daquela data foi registado o seguinte a seu favor:
“Tendo em atenção que Miguel Olavo Franco tem prestado de há anos para cá vários serviços no Cemitério Municipal de Santana, sem a exigência de qualquer salário, foi resolvido assalariá-lo com principio em Janeiro de 1941, pela importância de trezentos escudos mensais, devendo previamente esta resolução ser aprovada pelo Conselho Municipal na sua próxima sessão.”
Já sob a presidência do Comandante José da Mota Coutinho Garrido foi-Ihe passado, a 12/12/1947, “Alvará
“Ao Ex.mo Sr. Miguel Olavo Franco — Peniche - Ao dar conhecimento, em sessão de 1 do corrente, à Comissão Administrativa da minha presidência da oferta de VEx. para continuar na obra de identificação dos cadáveres, foi resolvido, por unanimidade, que, na acta desse dia, se exarasse um voto de louvor pelo trabalho executado até esta data e aceitar a generosa oferta de VEx. . - Com toda a consideração desejo a VExa. - Sai e Fraternidade - O Presidente, - (a) João Mendes Madeira, Sobrinho”de Nomeação” para o cargo de “VIGILANTE DOS SERVIÇOS DO CEMITÉRIO E OUTROS”.
Ao recuarmos um pouco, mais propriamente à década de 20, verificamos o seu grande empenho, como vereador, na realização da obra de iluminação pt de Peniche por meio de electricidade.
Também é de salientar a sua actividade na construção civil, não só como mestre mas também como desenhador. Ainda hoje são apreciadas construções da sua autoria. Cito algumas de que me estou a recordar: o chamado Prédio do Americano (aos Quatro Cantos), a residência da familia Bilhau na rua da Alegria, o antigo edifício da Central Eléctrica, o edifício situado no Largo de S. Leonardo junto a sede da Junta de Freguesia, em Atouguia da Baleia, etc. etc. . Valeu-lhe para o desenho das respectivas plantas o aproveitamento que teve quando aluno da Escola de Desenho D. Maria Pia, em Peniche, a que jé atrás me referi. É também de sua autoria a capela no Cemitério e todo o conjunto que a rodeia.
Depois de 38 anos a seu lado, para os bons e para os maus momentos, sua esposa, D. Olivia Seia Franco, faleceu a 26/8/1949 com 70 anos de idade.
Os elogios que recebia da Câmara Municipal davam Ihe animo para continuar a viver e a trabalhar naquilo de que ele tanto gostava: “o Cemitério”.
Em 17/11/1949, na sequência de numa visita feita pelo então Presidente da Câmara Antônio da Conceição Bento ao Cemitério no dia de finados daquele ano, foi-lhe endereçado o ofício n. 1499 onde esté bem patente o apreço tido pelo trabalho de Miguel Lino. Transcrevo-o na integra:
“Apraz-me comunicar-Ihe que esta Câmara mandou exarar na acta da sua reunião de 9 do corrente um voto de louvor a VEx. pelo zelo e dedicação que põe no seu cargo de Vigilante dos Serviços do Cemitério Municipal de Santana, o quai se apresentava no passado dia 2 do corrente num estado de arrumação, limpeza e conservação que mereceu as mais elogiosas referências do numeroso pi que ah ocorreu e me deixou a mais agradável impressão. - A Bem da Nação - O Presidente da Câmara, - (a) António da Conceição Bento”.
Tal era o interesse que este funcionário dava ao Municipio que a Câmara Municipal passou por cima de tudo o que era Lei, quer quanto ao seu contrato para o cargo que exercia já com idade avançada, quer ainda quanto à sua permanência em plena actividade depois dos 70 anos.
Com o peso dos anos tornou-se uma figura impar, com características muito especiais. Pondo de parte a sua cifose dorsal, própria da idade, era notado pelos seus óculos de aros redondos frequentemente puxados para cima das sobrancelhas. De mãos cruzadas atrás das costas, sempre acompanhado por uma varinha em “vime”, là ia ele a caminho do cemitério. . .
No primeiro dia de Janeiro de 1957, Peniche recebeu a triste notícia do seu falecimento provocado por uma queda do último degrau da escada de acesso ao primeiro andar na sua residência. Tinha 79 anos de idade.
Jaz sepultado, junto de sua esposa, no Cemitério que ele tanto amava e a que dedicou uma grande parte da sua vida. Em campa rasa, no talhão numero um, já tinha preparado anos antes, apôs a morte de sua esposa, uma sepultura com o seguinte epitáfio: “Olivia Seia Franco - 1879-1949 = Miguel Olavo Franco - 1877 a 19.... INVIOLÁVEL”.
Desapareceu assim uma destacada figura que muito prestigiou aquele lugar sagrado que ninguém deseja mas onde todos têm o seu lugar reservado...
Peniche, Julho de 2008.
segunda-feira, agosto 04, 2008
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