Por: Fernando Engenheiro
Diz-se que se vive uma crise quando, com carácter momentaneo, uma situação anormal se agrava, com graves e súbitas perturbações da vida económica .
Em todos os períodos da história houve crises; porém nos tempos que decorrem até ao século XVIII o tipo de crise prevalecente e a mais temida foi a crise de penúria. Esta era devida a factores naturais e extra-económicos (como as más colheitas e as guerras).
Actualmente deixou de ser um acidente para se tornar uma característica da evolução das sociedades capitalistas..
As crises atingiam todo o país mesmo quando afectavam de modo particular a produção agricola, em razão de más colheitas, sendo os camponeses os primeiros a sentilas.
Peniche, ao contrário de muitas terras do próprio litoral, vivia só e exclusivamente da pesca. Era esta e sua fonte económica principal e quase única. Não existindo pesca toda a actividade industrial paralisava, bem como o comércio aqui existente.
Debruçando-me só a partir dos inícios do século XX, evito assim referir-me a toda a miséria resultante de guerres, revoluções e à enorme quantidade de naufrágios. As crises sucediam as doenças e as grandes epidemias, acompanhadas de fome que alastrava por todo o País.
E a fome foi, em todos os tempos, coma hoje ainda é, a maior preocupação do ser humano. Um individuo sujeito a um regime de fome total ou mesmo especifica, não poderá trabalhar normalmente, um vez que o alimento que consome não chega para que organismo possa transformá-lo em força motriz necessária.
Por isto no mundo actual o problema da alimentação é o que maior atenção suscita.
Pouco depois da proclamação da República , em 25 de Maio de 1911. O Dr. António José de Almeida, Ministro do interior, publicou un notabilíssimo diploma de reorganização dos serviços de Assistência Pública. Por essa Lei foi criada a Direcção-Geral de Assistência. à qual ficaram subordinados todos os organismos oficiais da especialidade.
Em Peniche a candosa missão de prover as necessidades da pobreza local já vinha sendo desempenhada pela Santa Casa da Misericórdia, a principal instituição de beneficência da terra. A sua administração foi sempre de uma dedicação e de um escrúpulo inexcedível.
Além do tratamento de doentes no seu hospital, a Misericórdia tinha a seu cargo nunca menos de 10 velhos inválidos, albergados em anexos no logradouro do edifício. Subsidiava grande numero de viúvas pobres e prestava muitas outros socorros e serviços de assistência e beneficência.
Alguns anos depois, com a fundação do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral, foi extinta a Direcção-Geral de Assistência: Em 1927 foi esta Direcção Geral restabelecida, mantendo-se em actividade até aos nossos tempos.
Veio aquela entidade, em seguida, a 24 de Dezembro do mesmo ano, agrupar e transformar a organização dos estabelecimentos existentes na Assistência Pública.
Tudo isto era pouco para as grandes necessidades que o povo tinha.
Como a Igreja Católica esteve sempre de braços abertos para os mais desprotegidos, agrupavam-se os cristãos, homens e mulheres, criando instituições de caridade, em que se destacaram as Conferências de S. José, S. Vicente de Paulo e Santa Isabel (femininas) e as masculinas de S. José e S. Vicente de Paulo, que jé existiam en Peniche desde 26/8/1922.
Também algumas casas particulares. sentindo o empenho em auxiliar os necessitados e a compaixão para com os mais infelizes, davam o seu contributo.
Talvez numa palavra só : O amor de Deus e do próximo, são os factores mais importantes nestas grandes cruzadas de bem fazer.
Sem isso, por maior que fosse a boa vontade das entidades oficiais, em resolver os problemas, nunca seria possível conseguir-se uma solução satisfatória.
Nos fins dos anos vinte, o poder local, não sabia o que fazer com tante mendicidade a estender a mão à caridade.
Queriam reprimir o uso e abuso que se estava fazendo de mendicidade, pois (é não eram só dos residentes em Peniche, mas de outros concelhos vizinhos, aos quais não era permitido mendigar nas suas zonas.
Foi necessário organizar um cadastro dos doentes, dos velhos e dos que eram verdadeiramente necessitados de auxilio. Seria posto de parte o beneficio daqueles que exploravam por vicio e por comodidade os sentimentos generosos da população.
Para isso foi-lhes fornecido, pela Comissão Municipal de Assistência en colaboração com a Autarquia, uma chapa redonda em latão para colocar junto ao peito, com o número de beneficiado e os dizeres MENDICIDADE DE PENICHE”.
Ao mesmo tempo, não estava de parte a ideia do então Presidente do Município, Sr. António Maria de Oliveira, que também acumulava as funções de Presidente da Comissão Municipal de Assistência , da extinção de mendicidade nas ruas.
Isso só era possível com a cooperação do comércio e de particulares ao fazerem a entrega dos seus donativos mensalmente à Comissão, para que a mesma se encarregasse da sua distribuição , todos os Sábados.
Depois de muitos anos de crises constantes estava-se ainda na de 1929. Havia nove meses que a crise se vinha fazendo sentir, motivada pela constante falta de peixe, e tornava-se cada vez mais difícil a vida de todos os organismos locais, desde o cidadão ao Municipio. Não havia casa comercial onde a crise não tivesse provocado um desequilíbrio de tal forma grave que muitos anos foram precisos para anular os seus efeitos.
En 6/1/1938 a Câmara Municipal vê-se na necessidade de tomar sérias providências no sentido de atenuar, tanto quanto possível, a fome que numa grande parte da população se fazia sentir. Tenta minorar un pouco a indigência extrema com a chamade “SOPA DOS POBRES”
Foi a sua distribuição efectuada no futuro edifício do mercado municipal, então ainda em construção. e também numas pequenas dependências do actual Jardim da Cascata (junto da Ponte Velha), a mais de dois terços de população.
A Autarquia, considerando que não era possível manter por muito mais tempo um tal estado de coisas, visto a população faminta ter esgotado todos os seus recursos e o comércio local não poder continuar à sustentar a mesma população, só tinha uma alternativa: pôr de parte a ideia da construção de um bairro para pobres, e transferir e importância destinada à obra para ‘subsidio para a sopa dos pobres”.
Também a construção do mercado sofreu e mesura opção .
Aquele periodo dos anos de 1938/1939, foi uma época fatidica pela grave crise da pesca, considerada como um autêntico caso de calamidade publica.
Foram grandes os seus reflexos na vida económica de Peniche: algumas traineiras tiveram de ser desarmadas. outras vendidas. Das duas dezenas de fábricas de conservas existantes na altura, apenas 5 se mantiveram em actividade.
A falta de recursos aumentou a mortalidade infantil (o alimento é de certo modo um elemento regulador dos nascimentos). e agravou a doença nos adultos com problemas pulmonares.
Para maior contratempo, a 15/2/1941, o país é assolado com o grande ciclone que muito se fez sentir em Peniche, tanto na terra como no mar
Afundaram-se dezenas de embarcações e centenas de edifícios ficaram com a cobertura a descoberto, registando-se outros prejuízos. Só no Pinhal Municipal do Vale Grande foram derrubados cerca de 35 mil pinheiros.
Em Maio de 1946 e Câmara Municipal assumiu a responsabilidade de alugar uma sede para a Comissão Municipal de Assistência (na Rua José Estêvão, tornejando para a Travessa Castilho - actual Largo). A Comissão até ali funcionava numa dependência da Santa Casa da Misericórdia
Foi feito o contrato de arrendamento, por 180$00 mensais, entre a sua proprietária, Albertina das Flores Rendeiro, e o Municipio. Acabou par ser acordado a instalação ali, também. das Juntas de Freguesia e Sub-Delegação de Saúde .
As Paróquias de Peniche, tendo à frente pela 1°vez o Reverendo Padre Bastos, lutou no Natal de 1947 pela angariação de fundos para que os pobres sentissem um pouco de conforto com alguns agasalhos e alimentos. Foi um nunca mais parar no fazer bem ao próximo até aos dias de hoje
Logo em 1950 o Funda do Socorro Social, par intermédio da Comissão Municipal de Assistência de Peniche, entregou-lhe um cheque no valor de 10.000$00, pare reverter e favor de ‘Campanha do Natal’.
Esta década viveu sob as intermitentes oscilações de pobreza e da riqueza, constante o mar dava ou não o seu peixe.
Também, par intermédio do Sr. João Mendes Madeira Sobrinho, Gerente da fábrica ‘Judice Fialho”, que pôs à disposição os antigos armazéns daquela firma situados junto ao Campo da República , foi proporcionada e confecção da Sopa dos Pobres’, bastante frequentada pela classe marítima.
Em Julho de 1957 começa-se a pensar a fundo no problema da mendicidade pelas ruas, que se pretendia abolir.
É constituída uma Comissão, presidida pelo Reverendo Padre Bastos, de que fizeram parte o Presidente do Municipio, Sr. António da Conceição Bento, e os Sr. Tenente Afonso Neves, .Acácio de Sousa Lacerda. José Bonifácio da Silva, Chefe do Posto da P.S.P. e ainda as Conferências de S. Vicente de Paulo. Não foi tarefa fácil, atendendo às circunstâncias especiais desta terra. Só foi possível obter os resultados pretendidos graças à colaboração conjugada das entidades oficiais, comércio e algumas familias mais abastadas, pois noma sociedade cristã todos temos o dever grave de despender todos os esforços no sentido de minorar as situações de miséria que existem pelo nosso reino.
Mais uma vez, a igreja está atenta no auxilio aos mais necessitados no terrível flagelo de fome. Em 3/9/1958 é inaugurada, no Centro Social de Educação e Assistência. uma cantina para os pobres, com o fim de minorar a pobreza e acabar corn a mendicidade.
Ficou assim banido o mau aspecto que davam os grandes ajuntamentos de pobres nas traseiras do antigo Hospital, que se faziam acompanhar de tigelas, à espera que os doentes tomassem as suas refeições e só depois, ao toque de uma sineta, fosse distribuído o que já não lhes fazia falta.
Também a Casa dos Pescadores. naquele ano e outros que se seguiram, firmou um contrato com aquela Cantina, para fornecer aos seus associados e familias, menos favorecidas pela sorte, 300 sopas e 150 pães.
A partir da década de 60, Peniche teve um incremento grande com a imigração de pescadores naturais da Nazaré. Trouxeram com eles a arte de pescar com “aparelho”. Foi uma colonia que amortizou bastante as dificuldades até ali existentes.
Mas do que não temos dúvidas é de que a melhor situação em, que o povo desta terra presentemente se encontra foi resultado da mudança de politica no nosso País.
Apontamentos diversos
A partir de 1949 houve uma especial atenção às crianças escolares mais desfavorecidas pela sorte. Procedeu-se à construção de uma cantina num espaço do logradouro de recreio da Escola Primária n°1.
Podiam assim viver mais alegres com as refeições fornecidas todos os dias Úteis e só assim lhes seria possível desenvolver com mais facilidade as suas capacidades intelectuais.
Ainda hoje está na memória de muita gente a chamada “Casa das Senhas”. Tratava-se de uma dependência. no edifício dos Paços do Concelho na rua 13 da infantaria, 1 Andar, onde funcionava a Comissão Reguladora”. Esta tinha coma finalidade a organização do “racionamento”, provocado pela guerra Civil de Espanhola e pela II Guerra Mundial, de todas as compras de produtos essenciais, que então rareavam, feitas em estabelecimentos comerciais. Aqueles só eram fornecidos, de acordo com, o estabelecido por organismo, tendo em atenção o número de familiares que constituíam cada lar.
- Também chegou aos nossos tempos a vergonha nacional do “PÉ DESCALÇO”. O Governo Civil de Lisboa, a 6/9/1928, publicou editais proibindo o pé descalço, com a execução a partir de 1 de Outubro daquele ano. O do Porto aderiu no mesmo ano, o de Coimbra a 1/5/1934 e o de Aveiro a
1/8/1956.
Eram estas as únicas cidades, até à década de 1950, em que era proibido andar pelas ruas com os pés descalços.
Foi uma luta grande que teve a Liga Portuguesa de Profilaxia Social para conseguir reais vantagens na campanha a que ela tão humana e patrioticamente se propôs.
quinta-feira, outubro 08, 2009
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