Por: Fernando Engenheiro
Confiscados todos os seus bens, demolido, pelo menos na sentença, o seu palácio de Lisboa, que não habitavam desde o terramoto, foi mandado picar o brasão dos Ataídes que vinha de tão distante tempo, altivo como um troféu bem ganho em mil trabalhos.
Em Peniche foram picadas as armas dos Ataídes na Forta leza, no Baluarte, no Palácio e no Pelourinho (Livro de Contas do Concelho de Peniche de 1757/1760,a fls.26v.):
“Despendeo António da Sylva pello mandado número septimo por elle assinado, o qual vay à linha e conta um pagamento que mandar fazer aos pedreiros que picar as Armas por ordem Regia que o Conde que foy de Atouguia tinha na Fortaleza, Baluarte, Palácio e Peloirinho desta villa, dois mil sete centos e quarenta reis
Também em Atouguia o brasão no túmulo de D. Alvaro Gonçalves de Ataíde situado no interior da Igreja de S. Leonardo e no pelourinho, que fica no Largo de S. Leonardo, levaram o mesmo trato (curiosamente salvou-se um dos brasões do túmulo que na altura, provavelmente, se encontrava camuflado).
Trata-se do brasão de armas que foi usado por estes fidalgos desde o primeiro ao último: de azul, com quatro bandas de prata, coroa de conde, timbre: uma onça saltante, banda de nove peças de azul e prata, lampassadas de vermelho. Embora se desconheça o respectivo alvará de concessão, sabe-se que era a familia “dos Ataídes” das mais distintas de Portugal, pois dela se formaram importantes casas e saíram esclarecidíssimos varões.
No seguimento das despesas que a Câmara Municipal tomou por sua conta encontra-se registado no Livro de Contas do Concelho de Peniche de 1757/1760, a fls. 26-1759) o documento que passo a transcrever:
“Despendeo mais o dito Procurador do Concelho por hordem sua com o caminheiro que da cabeça da comarca trouxe huma ordem e edital pello qual se fazia público que Sua Magestade ordenava que nenhuma pessoa uzasse mais dos appellidos de Távora e Ataíde - seis centos réis”
Também quanto ao sequestre dos bens da familia Ataíde couberam a camara municipal outras despesas como se lê mais adiante:
“Desnendeo mais o dito procurador do Concelho com a acistencia do escrivão da Câmara com lenha, agoa, louça, na apozentadoria do Doutor Provedor, quando veyo fazer sequestro, nas rendas, bens, e regalias de Dom Jerônimo de Atayde, aqui, na Atouguia, e Serra de El-Rei, em cuja deligência se demorou dez dias; com quem o servio e cozinhou na dita apozentadoria, limpeza do estanho e lavage das roupas, com tudo constou do rol do dito Procurador - cinco mil e noventa e cinco réis.
A Fazenda Real não perdoou à Câmara Municipal o Jantar (a que no Foral se chamava colheita) valor que o Município pagava a Jerônimo de Ataíde anualmente, e que se compunha de cento e trinta e quatro alqueires de trigo, trezentos e trinta e seis alqueires de cevada, quarenta e oito almudes de vinho e três mil trezentos e vinte reis em dinheiro.
Atouguia da Baleia, logo de seguida, viu a sua importância cair a pique. Por todo o Reino se sentiu excluída e os seus residentes de maior prestigio tentaram por todos os meios mudar as suas residências ou para a capital do reino ou, em ultimo caso, para Peniche. Lembro aqui as familias Delgados, Figueiras, Osórios, Fôios, Quaresmas, Correias, Penteados, Barretos, Quentais, Soares, Barrachos, e tantas outras que na vida pública ocuparam lugares de relevância.
A Câmara Municipal de Peniche teve o cuidado de, em nome do seu povo, requerer ao Soberano a liberdade desta Vila, que tantos anos andou sujeita aos vexames com que a oprimiram alguns elementos da Casa de Atouguia por meios de pleitos injustos com que pretenderam retirar-lhe regalias e liberdades que lhe foram con cedidas pelos Senhores Reis deste Reino, mercês que tiveram principio no reinado de D. Manuel I.
Para isso apresentou-se em Lisboa, uma comissão constituída por membros da Câmara Municipal a saber: Fabião de Carvalho Figueira, Verissimo Palhano Franco e o Doutor José Teodoro Ferreira Souto, para beijar as mãos a Sua Alteza Real o Senhor D. José I.
Note-se que D. Jerônimo de Ataide, que foi o último Conde de Atouguia, casou, a 2 de Dezembro de 1747, com D. Mariana Bernarda de Távora, filha do Marquês Francisco de Assis de Távora e de sua mulher D. Leonor de Távora, tendo nascido a dita Mariana aos 24 de Dezembro de 1722. Diz-se que passava o mesmo D. Jerônimo de Ataíde por ser um homem de pouco talento e incapaz de empreender coisa alguma de maior consideração, grosseiro até à estupidez; todo o seu prazer consistia em consumir o seu tempo no jogo, na mesa, e no vinho. Não sendo susceptível de paixões violentas, o ódio e a vingança não tinham entrada em sua alma, dominada somente pela devassidão.
Envolveu-se na conspiração sem verdadeiramente a conhecer, reputando-a mais como um negócio de família, em que o dever de parente o obrigava a tomar parte, do que por outras considerações.
Sua esposa, que escapou ao cadafalso, é entregue pelo Desembargador João Pacheco, por ordem de Sebastião José de Carvalho, ao Convento de Sacavém, que lhe davam por prisão, deixando para sempre o seu filho Luis Francisco de Ataíde ainda de tenra idade.
A prole da enclausurada deve ter sofrido amarguras. Perdeu-se para as grandezas no segredo das celas ou caiu no anonimato.
Diz-se, porém, só Deus sabe se com verdade, que no ano de 1811, quando Massena invadiu Portugal, alguém o procurou no seu quartel. Apareceu-lhe um homem de rosto enrugado, com o fato em farrapos, acusando idade avançada. Contava que fora rico e tudo perdera porque a Casa de Bragança fora a sua herdeira.
Ninguém diria que semelhante maltrapilho poderia oferecer ao marechal francês o pingue presente de um cinto cheio de ouro. Diante dos seus farrapos julgaram-no algum criminoso que tivesse assaltado qualquer solar, mas não compreendiam porque entregava aquela quantia aos inimigos da sua Pátria.
Ele explicou a origem de tanto dinheiro antes de falar da sua. Ganhara-o ao jogo, porque era dotado de uma sorte infernal; as cartas favoreciam-no como se tivesse pacto com o diabo. E riria muito o desgraçado que, possuindo uma fortuna, preferia o trajo roto e imundo, o cabelo desgrenhado, o barrete vil, às vestes de gala, à cabeleira encalamistrada, a algum chapéu de bom-tom. Fizeram-lho sentir; e ele, com a risada escarninha, declarava não renunciar a adquirir um fato de belo corte para o luzir no dia do seu casamento em França, pois já não abandonaria o exercito do imperador, seu amado, porque desejava destronar os Braganças. Sim. Acompanhà-los-ia, com sua sorte ao jogo e o seu proposito de casar com a primeira comborça que encontrasse, a fim de evitar mais o sangue brigantino que devia existir nas suas veias.
Sòó então disse ser D. Luis Francisco de Ataíde, filho do Conde de Atouguia e neto dos Távoras, justiçados em Belém, cujos bens tinham passado ao erário real. Como disse, só Deus sabe se esta história tem algo de verdadeiro.
Uma década antes de D. Luis Francisco de Ataíde se ter oferecido ao comandante das tropas francesas, mais propriamente a 20/11/1800, o Principe Regente D. João (D. João VI), perdoou a pena legal em que se achava incurso aquele fidalgo e seus dois irmãos, filhos do 11. Conde (pelo processo de 1759), reconhecendo-os como cidadãos inocentes, determinando que o Desembargo do Paço assim o tivesse entendido e fizesse executar, declarando que, para poderem viver com decência no seu novo estado de aí em diante, tinha dado providências por outra repartição. Naquele tribunal não havia noticia de tal em 1822, nem no Erário, apesar de D. Luis e seus irmãos terem concessão, por dois Decretos de D. Maria I, da importância de 50$000 réis anuais. Pelo Marquês de
Ponte de Lima, então primeiro-ministro da Rainha, foi oferecida a D. Luís de Ataide a restituição da Casa de seu pai com a condição de requerer à Rainha D. Maria I o perdão da pena legal, mas este recusou a oferta por saber da inocência de seu pai na tentativa de regicidio.
Tudo leva a crer que houve má-fé por parte dos conselheiros da Corte na época que, possivelmente por um modo aleivoso, queriam condenar inocentes, atendendo a que os seus requeri mentos nunca tiveram deferimento nem qualquer andamento.
Ainda falando do terrível castigo que todos esses fidalgos tiveram com uma sentença que na época causou brado refira-se que, mesmo passados muitos anos ela continuou a ser discutida, comentando-se a crueldade do castigo. Por seu lado, os jesuítas foram também implicados no atentado, o que acabou por resultar na expulsão do Reino da Companhia de Jesus.
Hoje, parece evidente que os excessos cometidos tinham como finalidade aterrorizar a grande nobreza e mostrar a toda a Nação que a autoridade do Estado não admitia contestação. De um só golpe eliminavam-se todos os opositores ao regime. Porém, uma dúvida persiste: Quem ordenou esta violentissima repressão? Seria Pombal, como a maioria das pessoas da época acreditava? Ou será que o ministro disse a verdade, sendo afinal o responsável último D. José, um rei aparentemente fraco e desinteressado dos assuntos de Estado? Com a morte dos dois nunca haverá certeza absoluta, ficando a questão entregue às especulações dos historiadores.
A representação da ilustre Casa dos Ataídes, Condes de Atouguia, passou para a dos Condes da Ribeira Grande, embora tenha sido extinto o condado.
NOTA: A gravura que acompanha este texto corresponde ao brazão dos Condes de Atouguia. No trabalho publicado no número anterior inserimos duas gravuras sem qualquer legenda. Trata-se do padrão ainda hoje existente em Lisboa, em Belém, que assinala o local do patíbulo dos Távoras e seus familiares. Com foram edifica das construções em seu redor não é facilmente visível. Encontra-se nas traseiras da pastelaria que confecciona os conhecidos “Pastéis de Belém
terça-feira, março 31, 2009
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