Por: Fernando Engenheiro
Foi 11° Conde de Atouguia D. Jerônimo de Carvalho Menezes de Ataíde, sucessor de seu pai D. Lurs Pedro Peregrino de Carvalho Menezes de Ataide.
Foi “Senhor Donatário das villas de Atouguia, e da de Peniche, Alcayde Mor dellas, Senhor das villas de Vinhais, Monforte, Passo, Lomba, Villar Seco, Carvalho e Sernache; Comendador das Comendas de Santa Maria de Adai Villa Velha de Rodão, da Ordem de Christo, e da de Santa Maria de Olivença, de São Bento de Aviz e Governador da villa e Praça de Peniche”.
o titulo foi-Ihe confirmado por Carta no reinado de D. José a 3/9/1750. Casou com D. Mariana Bernarda de Távora, filha dos 3.os Marqueses de Távora.
Foram grandes os problemas que a Câmara Municipal de Peniche teve com este lustre fidalgo relacionados com os terrenos designados por “Reguengo” (que iam de norte a sul da península da Camboa até à Ribeira) doados ao povo de Peniche no ano de 1506, doação confirmada aquando da re formação do Foral pelo Rei D. Manuel I, terrenos que ficaram a pertencer ao seu povo, o que o dito Conde nunca aceitou por bem por entender fazerem parte da Casa de Atouguia, como Donatario de Peniche.
Foi durante o seu Condado que se deu o trágico terramoto ocorrido a 1 de Novembro de 1755 que assolou grande parte do nosso País. Embora se ten da a circunscrever os seus efeitos à Lisboa, Capital do Reino, na realidade o terra- moto, com maior ou menor intensidade, fez-se sentir
em todo o territorio continental e o sofrimento e a dor espalharam-se por todo o Pais.
O seu palácio designado por “Palácio dos Condes de Atouguia”, o do “Duque de Aveiro”, o dos “Alornas” e o dos “Povolides”, seus parentes, arderam, o que lhes provocou enormes prejuízos materiais. Mas os danos que sofreu não ficaram por aqui: Faleceram:
Francisco Luís da Cunha e Ataíde, Desembargador do Paço e Chanceler, que tinha mais de 90 anos, Pedro de Melo Paz de Ataíde, Secretário da Guerra e Manuel Varejão de Távora, Deão da Sé de Elvas e Inquisidor de Lisboa.
A Câmara Municipal de Peniche quis manifestar-lhe o seu desgosto, conforme documento registado no Livro de Despesas de 1738/1775, a fls. 40v., onde se lê:
“Acharão mais havia despendido com hum próprio que mandaram a Lisboa levar huma carta de pezames que escreverão ao Conde de Atouguia pelas mortes ocorridas - mil e duzentos réis - 1$200”. Porque se temia sempre a repetição do terramoto, passaram a viver na Junqueira em barracas, junto do palácio dos Ribeiras, além dos Tàvoras, os Condes de Atouguia, já que a Condessa, D. Mariana Bernarda de Távora, era filha daqueles grandes e prestigiados fidalgos.
Cessaram por esta época os passatempos favoritos dos fidalgos: “tourear”. Segundo as crônicas de César da Silva, surpreendia muita gente com as suas lides nas arenas de Salvaterra.
o seu Condado durou muitos poucos anos. Terminou de forma trágica com a sua morte, provocada pela maldade dos homens em bárbaro suplicio no cadafalso em Belém a 13/1/1759.
Passo a explicar as origens deste acontecimento de triste memória:
A alta fidalguia não via com bons olhos o primeiro ministro do reinado de D. José, a quem o Rei dera todos os poderes para orientar a vida da Nação permitindo-lhe imiscuir-se na vida particular de certas familias nobres, como pessoa destituída de certa dignidade que o tomasse respeitado no lugar que ocupava. o povo vivia aterrado, o clero e a nobreza perseguidos pelo aguilhão mordaz de Sebastião José de Carvalho e Melo e assim cerravam fileiras em legitima defesa, enquanto o Rei, de espirito brando, se entretinha em devaneios amorosos nas redondezas do Paço. D. José tinha casado, com 15 anos apenas, com D. Maria Ana Vitória de Bourbon, filha de Filipe V de Espanha, enlace que seria penhor de garantia de uma paz desejada e duradoira entre Espanha e Portugal. Porém, a predilecção amorosa do então jovem Príncipe fora despertada no seu coração pela interessante D. Teresa de Távora e Lorena, nove anos mais nova do que D. José, fidalga de sangue real, onde a mocidade radiante concorria para que tivesse surgido aquele grande amor, apesar do Rei já se encontrar casado.
Os Távoras não simpatizavam com Sebastião José, não só por este odiar a nobreza como possivelmente por ser neto do padre Sebastião da Mata Escura e da preta escrava Martha Fernandes.
Por razões diversas, D. José de Mascarenhas, Duque de Aveiro, não via com bons olhos o facto do Rei ter relações amorosas com sua cunhada. Possivelmente seria essa uma das razões que teria levado este titular a procurar meios para atentar contra a vida do Soberano que vinha enxovalhando o nome honrado daquela família.
Também havia uma razão para aniquilar o Rei: era a maneira mais certa para destituir do poder Sebastião José de Carvalho e Melo. Assim a alta fidalguia voltava a dispor do poder e influência de antigamente.
No entanto chegou a admitir-se que o Rei D. José acabou sendo vítima de um atentado premeditado apenas contra a vida de Pedro Teixeira, homem de baixos sentimentos, que acompanhava o monarca nas suas andanças amorosas.
O certo é que numa noite escura, de 3 para 4 de Setembro de 1758, recolhia ao seu palácio de madeira, situado então no Alto da Ajuda, o Rei D. José, na sua sege, na companhia do seu confidente Pedro Teixeira. Súbito próximo à saída do Arco de Alcolena, e depois de dobrada a esquina da Quinta do Melo, ouviu-se um tiro de bacamarte ou de carabina, o que levou o cocheiro da mencionada sege a picar o gado a toda a pressa, ao dar-se conta de que devia tratar-se de um atentado contra alguém. Parece ter chovido metralha sobre o alvo, apesar da sege ir a grande velocidade, o que não evitou que o Rei tivesse ficado ferido num braço. Foi então que o cocheiro recebeu ordens para se dirigir à Junqueira, onde morava o cirurgião-mor do reino, António Soares Brandão, a fim do Soberano se sujeitar aos primeiros socorros.
O País inteiro teve conhecimento da ocorrência, de que o Rei sofrera um atentado contra a sua vida e que se encontrava recolhido no seu palácio de cama a restabelecer-se dos ferimentos.
A Câmara Municipal de Peniche, ao ter conhecimento do trágico incidente, quis associar-se às manifestações publicas que expressavam votos pelas melhoras do Soberano com celebrações litúrgicas, conforme documentos existentes que posse transcrever:
“Acharão mais os ditos officiais da Câmara haver despendido o Procurador António da Sylva com o Sindico dos Religiosos do nosso Convento pello sermão que mandarão pregar em Nossa Senhora dos Remédios em acção de graças pella saúde do nosso Rey mil e seiscentos réis” (Livro de contas do Concelho de Peniche, de 1757/1 760, fls. 29)
“Acharão mais os ditos officiais da Câmara haver des- pendido o Procurador do Concelho por ordem sua e pelo mandado vigessimo septimo quatro mil e sete centos e vinte réis que tantos mereceo a musica que fez ajudar a cantar na missa que em acção de graças pella saude do nosso Monarcha mandarão celebrar na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, entrando na dita quantia mil e seis centos réis com que attendemos à cera que se gastou’ de contas do Concelho de Peniche, de 1757/1760, fls. 29 v.).
Sebastião José de Carvalho e Melo terá aproveitado aquela oportunidade para aniquilar uma das mais nobres e poderosas famílias de Portugal. O seu espirito sanguinário ficou largamente demonstrado em outros actos que praticou como sucedeu quando do incêndio da Trafaria, do das cabanas de Monte Gordo e até do esquartejamento do corpo, em vida, de D. João Batista Pele (O Perfil do Marquês de Pombal, por Camilo Castelo Branco, 2°. edição, pág. 93).
Depois de algum tempo de silêncio, com recurso a testemunhas e intercepção de correspondência, foi-se fazendo luz sobre a tentativa de regicidio, seus autores e instigadores, nos quais sobressaem D. José de Mascarenhas, Duque de Aveiro, seu cunhado Francisco de Assis, Marquês “Velho” de Távora, e a mulher deste D. Leonor.
O mistério que cobria as investigações é rompido na madrugada de 13 de Dezembro quando a tropa prende o Duque de Aveiro, os Marqueses de Távora e de Alorna, os Condes de Atouguia, de Óbidos e da Ribeira Grande, e vários criados dos titulares.
Sob tortura, o Duque de Aveiro começa por atribuir a autoria do crime aos Távoras, que teriam actuado em defesa da honra da família. Quanto à sua participação, diz ter agido por vingança, motivado por injustiças de que teria sido alvo por parte do Rei. E confessa que a ideia do atentado foi sugerida por padres jesuítas, inimigos de Carvalho e Melo.
Sob tortura todos os acusados se incriminaram a si, aos seus e aos jesuítas, com excepção do Marquês de Távora e seu filho mais novo, D. José Maria. Dona Leonor, apontada como “uma das três cabeças da maquinação”, nem foi ouvida mas sofreu o mesmo destino que os restantes.
Ao amanhecer de 13 de Janeiro de 1759, num patíbulo erguido para o efeito, em Belém, iniciava-se um espectáculo macabro. Perante a assistência do povo foi degolada Dona Leonor de Távora; em seguida foram executados seus filhos, José Maria e Luis Bernardo, o Conde de Atouguia, D.Jerônimo de Carvalho Menezes de Ataíde, dois cúmplices plebeus, Manuel Ferreira e Braz Romeiro, D. Francisco de Távora e D. José de Mascarenhas e o seu criado João Miguel.
Os condenados foram amarrados a uma armação em for-ma de cruz e, antes de serem asfixiados pelo garrote, eram lhes quebrados os ossos dos braços e das pernas com uma maça de ferro. O outro criado, Antônio Ferreira, foi amarrado a um poste e queimado vivo, enquanto ao lado era queimada a estátua de José Policarpo, o único que escapou à prisão.
Para melhor conhecimento transcrevo na integra a sentença dada ao Conde de Atouguia, D. Jerônimo de Ataide extraído do processo arquivado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, constituído por 66 páginas:
“Meterão nesta infanme conjuraçam e precipitavão neste sacrilégio e barbaro delito, foi o Conde de Atouguia Dom Jerônimo de Atayde, genro dos sobreditos Marqueses, Francisco de Assis e Donna Leonor de Távora; o quai se prova que quazi todas as noites concorria com a Condeça, sua mulher nas sediciozas e abominaveis práticas que se tinhão na caza dos Marquezes seus sogros. Prova-se que nas mesmas práticas foy pruvertido pella dita sua sogra até ao ponto de seguir em tudo e por tudo os aboninaveis dictames da dita Marqueza sua sogra, e as detestáveis doutrinas dos Religiosos Jesuítas inspiradas por Gabriel Malagrita, João de Mattos, e João Alexandre; e de cobrar uma grande aversão à Real pessoa, caofelix governo de El-Rei nosso Senhor; Prova-se que por isso concorreo com oito moedas para o indignissimo prémio dos Assassinos que dispararão os sacrilegios tiros, e que entrava com os Jesuitas Malagrita, Joâo de Mattos, João Alexandre, nesta conjuração. Provando-se finalmente que este Reo foy socio nas esperas que se fizerão a Sua Magestade na mesma infaustissima noite de tres de Setembro do anno próximo passado, e que por isto a Condessa sua mulher se achou na factura e desordenada junta, ou assemblea depravantes que na manhã próxima seguinte ao insulto, se teve na forma assima declarada, nas cazas do Duque de Aveiro, citas no lugar de Belém.”
Depois de cumpridas as formalidades que proferiu a Su- prema Junta da Inconfidência, procedeu a sentença definitiva contra o réu Jerônimo de Ata que foi Conde de Atouguia, nos seguintes termos:
“Condennação a que com baraço e pregão, seja levado ao cadafalço, que foi erigido para estas execuçoens; no qual depois de haver sido estrangulado e de se lhe haverem sucessivamente rompido as canas dos braços, e das pernas, será também rodado; e o seu corpo feito por fogo em pô, e lançado ao mar; e o condena outro si em confiscação e perdimento de todos os seus bens para o Fisco e Camara Real; e ainda os que forem de vinculo, constituhidos com bens da coroa na forma acima declarada, ou ainda prazos; além da infamia em que hão por incursos seus filhos, e netos; de lhe serem demulidas arrazadas, e salgadas as casas da sua habitação sendo próprias, e de se derribarem e picarem todas as armas, e escudos daqueles que as tiverem tido até agora.”
Espectáculo horripilante, realizado para prestigio de Sebastião José de Carvalho, que se converteu numa das páginas mais negras da nossa história. Ainda hoje sentimos repulsa por tão bárbaro procedimento praticado com todos os requintes de desumanidade.
(Continua no próximo número)
sexta-feira, março 20, 2009
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