segunda-feira, junho 12, 2006

A EXTINTA BANDA MUSICAL PENICHENSE

Por: Fernando Engenheiro
A origem da música perde-se nos tempos mais longínquos. De entre todas as artes é a mais antiga, a mais primitiva nos seus propósitos.
O homem primitivo teria imitado em primeiro lugar os sons da sua inexperiência com a natureza. Nos sons companheiros da natureza, o homem encontrou a sua linguagem cantada ou falada.
Assim, a musica, que é tão velha como o homem, parece sinónimo de movimento desde os tempos mais remotos.
Ora quem diz movimento, diz ritmo. Antes de mais a música vive pelo ritmo.
Os primeiros instrumentos de musica foram as mãos do homem, em cujas pancadas se encontra a fonte primordial do ritmo.
O movimento das “Sociedades Filarmónicas”, importado de Inglaterra, apareceu no nosso País em finais do século XVIII e inicio do XIX. Estas sociedades, que chegaram até nós inicialmente com ligação às elites, rapidamente se alargam a contextos rurais, por todo o território nacional.
Passaram a ser instituições estruturantes na cultura musical portuguesa, para além de outras actividades, no âmbito da produção e do ensino da música, através das escolas a si associadas e dos concertos que realizam.
Em Peniche, pelos anos de 1820, por causa das velhas lutas políticas entre Liberais e Realistas, vários indivíduos da classe militar foram homiziados nesta então praça de guerra de primeira classe. Sabe-se que por aqueles anos, em virtude daquelas lutas que abalaram toda a nação, veio para a guarnição militar desta Localidade José Dionísio de Mello, músico militar, natural e baptizado na freguesia de São Miguel de Câmpia, Bispado de Viseu. Aqui fixou residência e constituiu família.
Para Peniche a cultura musical não era nenhuma novidade pois por aqui tinha passado já um homem de grande talento musical, natural de Peniche, José Leal Moreira, com o posto de capitão e ao serviço de guarnição militar a partir 1/10/1785. A Rainha D. Maria I num documento a seu favor, datado de 7/12/1778, concede uma bolsa, a deduzir das Sisas, para ser criada uma aula de música em Peniche, com o Intuito de satisfazer os desejos da população que pretendia realizar os festejos tradicionais.
Foi proposto o ordenado de 50 mil réis anuais, verba importante naquele tempo, que depois desceu para 40 mil réis. Também António Joaquim Martins Guisado, Capitão militar, foi professor de música ao serviço da Câmara Municipal, bem como no âmbito particular.
Se bem que não se possa fixar uma data exacta, é de crer que foi possivelmente pelo princípio da década de 30 (1830) que Peniche começou a ser despertada pelos acordes de urna Banda Civil. E que José Dionisio de Mello, rodeando-se de vários indivíduos amantes da musica, influenciados pela onda popular de liberdade que começou a germinar por todo o Pais depois da derrota do Miguelismo, tratou dos preparativos para a organização de uma filarmónica, ficando esta a ser denominada “Filarmónica de Peniche”. Não faltou o bom entendimento nem colaboração para as despesas a efectuar, sendo de destacar Manuel António Monteiro que logo acorreu abonando todo o dinheiro necessário para o instrumental.
E, uma vez a banda em actividade, o primeiro serviço que ela efectuou foi abrir a festa do baptismo do filho daquele benemérito. Falecido o primeiro regente, sucedeu-lhe o seu próprio filho, Justino de Azevedo Mello, natural que foi de Peniche, da freguesia de S. Pedro, nascido a 25/01/1828.
Na década de 1875 a 1885, um grupo de rapazes, de que faziam parte os filhos do próprio regente, Mariano de Azevedo Mello e João de Azevedo Mello, bem como outros componentes, imprimiu à banda uma nova feição artistica, já mais modernizada. O seu prestigio e justificada fama muito animaram os seus devotados amigos e defensores, cujo o número era cada vez maior.
Depois de alguns anos de trabalho à frente da sua Banda Musical, aos 61 anos de idade, Justino Mello entrega a regência a seu filho José Cândido de Azevedo Mello, que a assumiu aos 28 anos já feitos, a 6 de Outubro de 1889, então já com a experiência de trabalhar noutras bandas fora da sua terra.
Foi flautista dos 13 aos 15 anos, depois violoncelo e por aí adiante. Quando ingressou naquele cargo poucos eram os instrumentos que não sabia tocar. Foi assim a sua veia musical e as suas faculdades de excelente compositor e ensaiador que o levaram àquele cargo.
Em 1893, o regente, por divergências com os músicos, abandonou a Banda. Este abandono originou uma segunda Filarmónica e, assim, a 12/08/1894, o mestre inaugurava, com elementos que o acompanhavam e outros que em seis meses preparou, a “Música Nova”. Com a criação desta, principiou por travar-se entre a “Nova” e a “Velha - designação por que começaram a ser vulgarmente conhecidas as duas filarmónicas de Peniche - apaixonados conflitos, felizmente sem consequências de gravidade. Abandonando a velha Banda, foi desde logo substituído pelo mais antigo dos componentes desta, Francisco dos Santos Costa, sendo embora certo que ao novo regente faltavam os requisitos necessários para cabal desempenho do cargo. Com a dissidência havida, os pilares da velha filarmónica ficaram muito abalados. Em 1904, não podendo mais aguentar-se dissolveu-se, indo os seus elementos mais proveitosos incorporar-se na Nova Banda. Restava então a segunda Banda, a qual vivia sem os estímulos que só as rivalidades do partidarismo sabem criar. Havia que dar um nome próprio à nova Filarmónica. Houve diversas sugestões até que, muito mais tarde, a 1 de Maio de 1916, fez a sua aparição com novos elementos e com a denominação de “Filarmónica Penichense - 1° de Maio”.
Havia na época uma grande imigração de marítimos da área da Figueira da Foz que vieram radicar-se em Peniche com as suas famílias para trabalhar na arte das armações de pesca. Com eles trouxeram da sua região o apego às celebrações do 1.° de Maio. Eram as festas da primavera que se tornaram num grande atractivo. As mulheres em cortejo, apresentavam-se com grandes açafates de flores para dar um brilho maior às suas tradicionais festas.
Como não podia deixar de ser a Banda do Maestro José Cândido abrilhantava estas festividades. Estava a Filarmónica 1° de Maio, com oito meses, a dar os seus primeiros passos com segurança e espírito de bairrismo, a demonstrar as suas futuras possibilidades artísticas, quando o seu mestre, sem esperar, vê muitos dos seus elementos serem mobilizados para o serviço militar. Era a 1° Grande Guerra - 1914/1918. Também a epidemia conhecida por “pneumónica”, logo a seguir, provocou uma grande redução nos seus efectivos.
Por falta de músicos foi com grande dificuldade que no ano a seguir a estas catástrofes se realizaram as grandes festividades em honra de N. Sr. da Conceição.
Havia que educar novos alunos para preencher as faltas existentes e tudo se compôs, com o regresso dos nossos soldados, depois de ser devolvida a Paz à nossa Pátria, e com o termo da epidemia.
Em 1935 reconhecia-se que a Banda havia chegado a um certo grau de decadência, tanto técnico coma disciplinar, atribuindo-se este estado ao facto de velho regente estar cansado. Não dava este já o rendimento necessário; e sua reforma e a da banda impunham-se. Assim o compreendeu a Edilidade Municipal que, pela seu próprio Presidente, João Mendes Madeira Sobrinho, decidiu criar o Grupo “Pró-filarmónica. Com o auxílio da Câmara Municipal, reformou-se o regente com a pensão mensal de 350$00, depois de 46 anos ao seu serviço até 1942 (embora nos primeiros 14 anos houvesse breves interrupções). O referido Grupo continuou promovendo festas e outras fontes de receita e com o seu produto efectivou a compra de fardamentos e novo instrumental. E assim, animados os aficionados da música Penichense, ia aumentando o número dos componentes da Banda. Em colaboração com o referido Presidente da Câmara e a Direcção que mantinha aquela Filarmónica (Bernardo Monteiro — José Gonçalves Cordeiro — Manuel Ferreira de Almeida — Angélico Diogo da Silva — Francisco Fernandes Malheiros — Joaquim Cirilo) deixou de ser “Filarmónica 1° de Maio” para passer a chamar-se “Banda Musical Penichense”. Alguns anos decorridos, nos primeiros tempos da década de 50, foi dada como extinta.
Passados que foram perto de 50 anos, o Pelouro da Cultura de Câmara Municipal, em 1995, em colaboração com alguns entusiastas (antigos músicos), Arnaldo Sesinando, José Matias e Edmundo Ferrer, tentou fazer renascer novamente a Banda Musical. Em fins de 1996 já haviam 35 elementos, que saíram pela primeira vez para a rua, ainda sem farda, para percorrerem as ruas da cidade, tanto de Peniche de Cima como de Peniche de Baixo, com paragem solene na Praça Jacob Rodrigues Pereira.
Foi uma grande alegria para muitos ver-se o dístico “Banda Musical Penichense” à frente do desfile. Mas foi sol de pouca dura. Nunca mais fez a sua reaparição, ficando tudo como dantes.
APONTAMENTOS DIVERSOS:
Do muito prestigio e glória que esta Filarmónica deu à Vila de Peniche, destaco aqui o dia 6 de Outubro de 1910, pelas 10 horas da manhã, no Largo dos Paços do Concelho em que os seus elementos foram dar o Viva à implantação da República. Irromperam depois com o hino da Restauração, em cumprimentos à nova Comissão Administrativa, e terminaram com o da Maria da Fonte.
Foi estreado na considerada 1° Festa em honra de N. Sr.’ da Boa Viagem, em Setembro de 1921, o novo fardamento, de modelo à guarda da marinha, com calça branca, casaco de fazenda azul escura, boné também da mesma fazenda, mas com a pala preta.
CURIOSIDADES:
- A origem da batuta usada pelos directores das bandas, orquestras e outras... é um invento relativamente moderno. O director marcava o compasso dando patadas no chão ou palmeando com ambas as mãos, ou batendo com a direita no papel; outros usavam conchas à maneira de castanholas. O famoso compositor “Lulli”, concebeu a ideia de dirigir a música batendo compasso no chão, com uma vara de 2 metros de comprido. Um dia, entusiasmado ao dirigir um “crescendo”, deu uma pancada no pé que feriu gravemente. O pé gangrenou e Lulli morreu.
Desde então a batuta foi-se reduzindo às modestas proporções que tem actualmente.
Peniche, Junho de 2002

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