Por: Fernando Engenheiro
A Fundação da Nacionalidade Portuguesa tem como exclusiva referência a conferência de Zamora com o príncipe Afonso Henriques, Afonso VII, rei de Castela e Leão e o Cardeal Guido de Vico, emissário do Papa Inocêncio II. N, em 1143, foi reconhecida a inde pendência de Portugal e dado a D. Afonso Henriques o título de rei.
Poucos anos depois, a 24/10/1147, Lisboa foi conquistada aos mouros com o auxilio dos cruzados, franceses e de outras nacionalidades, que se encaminhavam navegando para a Palestina (Terra Santa), onde pretendiam apoderar-se do túmulo de Cristo, há muito tempo na posse dos infiéis.
Com alguma dificuldade foi possível a D. Afonso Henriques negociar com os cruzados a sua participação nessa tão arriscada luta, que iria decidir a cimentação da nacionalidade portuguesa.
Para conseguir obter o seu auxilio na desejada conquista prometeu-lhes, entre outras benesses, a doação de terras em diversas áreas do pequeno país que tínhamos em formação.
Coube ao fidalgo francês Guilherme de La Corni a doação das terras de Tauria (Atouguia), o senhorio do seu importante porto e do seu frutuoso comércio e seus domínios, onde incluíam as ilhas de Peniche, Berlengas e Baleal.
A doação foi feita por carta do Rei Afonso e de sua mulher a Rainha Mafalda de Sabóia na era milésima centésima nonagésima sexta (ano cristão de 1158).
Tinha como garantia espiritual a seguinte imposição exigida por aquele monarca e esposa: “Se algum de nossos filhos ou filhas, ou quaisquer da nossa geração, quiser quebrar isto que estabelecemos seja maldito e excomungado e, como Judas traidor de Cristo, seja sepultado no inferno’. (Torre do Tombo, gaveta II, maço 7, n°12).
Guilherme morreu sem geração, pelo que o senho rio passou para seu irmão Roberto cuja descendência, ao longo dos anos, prolongou-se ainda por mais 4 gerações (filho, neto, bisneto e trineto) como consta em “Monarquia Lusitana”, parte 3, nota 9.
Mais tarde a doação, não se sabe como, entrou no patrimônio de Fernão Fernandes Cogominho, rico/homem que viveu no tempo de D. Afonso III (1248-1279) tendo desempenhado o cargo de alcaide de Coimbra. Casou com Joana Dias a quem, por sua morte, deixou o senhorio.
A posse por Joana Dias do senhorio recebido do seu marido não foi pacifica e foi contestada por el-rei Dinis. A contestação deu origem a um pleito com sentença favorável ao monarca. Assim, em 3/2/1307, o senhorio da Atouguia e seu termo voltaram à coroa.
D. Dinis (1279-1325), agora senhorio, fez doação do mesmo a sua mulher e rainha isabel de Aragão (a rainha Santa Isabel). Por sua morte herdou o senhorio seu neto D. Pedro.
D. Pedro ofereceu-o a sua mãe, a rainha vit D. Beatriz. D. Pedro habitou com frequência o Paço da Serra e mandou construir um palácio na povoação do Moledo, que lhe fica perto. Aí terá vivido por algum tempo Inês de Castro, que residia em Coimbra.
Por morte da rainha vit D. Beatriz, atacada pela peste que assolou o Pais, o senhorio foi herdado por seu neto D. Fernando. Este faz dele doação a Aires Gomes da Silva, por carta de 12/7/1370, com todos os seus direitos e rendas menos os da caça à baleia.
Em 1375, na Atouguia, no Largo da Igreja de S. Leonardo, o senhorio era da rainha D. Leonor Teles, com quem D. Fernando tinha casado em Setembro de 1372, (possivelmente por ser a praça principal onde todo o comércio era efectuado, além das repartições públicas ali concentradas). Este bem fez parte do dote de seu casamento.
Por morte de D. Fernando, ocorrida a 23/10/1383, estava a herdade de Atouguia e seus domínios em poder daquele monarca, ficando a vit governadora do Reino.
Sucedeu-lhe D. João I, de Boa Memória, a 6 de Abril de 1385, o qual foi jurado Rei pelas Cortes realizadas no Convento de S. Francisco, em Coimbra, e que, pouco depois, a 14 de Agosto do mesmo ano, na batalha de Aljubarrota, assegurou a posse da coroa.
No primeiro ano do seu reinado D. João I fez doação, por carta de 4/9/1385, a João Roiz da Mota, documento que passo a transcrever em apontamento resumido:
“João Roiz da Mota, nosso vassalo e querendo-lhe conhecer e galardoar com mercê, como cada um rei é teúdo de fazer àqueles que o bem e verdadeiramente servem, querendo-lhe fazer graça e mercê de livre vontade, de ciência e poder absoluto, lhe damos e fazemos pura doação que valerà deste dia para sempre, por juro e herdade para ele e para todos os que dele descenderem por linha direita a nossa vila da Atouguia, com todos seus termos e alcaidaria dela com todas as suas rendas e direitos e pertenças, assim por aquela guisa que nôs havemos e de direito devemos haver”.
Desconhece-se o efeito que esta carta de doação teve pois pouco tempo depois tudo estava novamente em poder da Coroa (talvez por não haver descendentes de linha directa ou, possivelmente, os herdeiros com direitos se entregassem a vida religiosa e prescindissem dos bens materiais).
D. João I fez ainda doação a seu filho D. Fernando do senhorio do porto da vila e a D. Nuno Alvares Pereira dos direitos e rendas que tinha sobre a vila, pela sua intrepidez nas guerras com a Espanha.
Trata-se do Infante D. Fernando que foi o 2. duque de Viseu e I. duque de Beja e que, tendo ficado em Tanger como refém pela prometida restituição de Ceuta, a faleceu.
Por morte do rei que ficou conhecido por “o da Boa Memória” sucedeu no trono seu filho D. Duarte, aos 42 anos de idade em 1433, que também foi Senhor absoluto de todos estes domínios.
Seu filho D. Afonso V nasceu a 15/1/1432 e tinha apenas seis anos quando seu pai faleceu. Recebeu a sucessão mas a sua menoridade não lhe permitiu assumi-la, pelo que foi seu tio D. Pedro, duque de Coimbra, filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre que assumiu a regência do reino até à maioridade do rei seu sobrinho.
D. Pedro nasceu em 1392 e morreu na batalha de Alfarrobeira em 20/5/1449.
Entretanto D. Afonso V havia celebrado matrimônio com sua prima Isabel, filha do infante D. Pedro e de D. Isabel, duques de Coimbra. Os esponsais realizados em Óbidos, em 1441 , foram confirmados em Santarém em 1447. No dote de casamento a favor da esposa estavam incluídas as vilas que tinham pertencido à rainha D. Leonor de Aragão, esposa de D. Duarte, falecida em Toledo a 25 de Fevereiro de 1445, excepto Atouguia e seus domínios, a confrontar com os limites de Óbidos, estes instituídos nos referidos bens.
Foi D. Afonso V um dos soberanos que ao longo do seu reinado mais benesses e mercês concedeu à fidalguia que o serviu. Foi ele que quis fazer de ATOUGUIA um CONDADO, uma espécie de pequeno Estado dentro do grande Estado, no qual o seu governante gozaria de uma certa autonomia.
ALVARO GONÇALVES DE ATAÍDE natural do Algarve, filho de Martim Gonçalves de Ataíde, alcaide-mor de Chaves, e de D. Mécia Vasques Coutinho, aia dos infantes filhos de D. João I, por carta de 17 de Dezembro de 1448, D. Afonso V fez doação da vila da Atouguia, com seu castelo, termo, toda a jurisdição e padroado, elevando-o assim a CONDE da mesma vila. Depois desta nomeação passou a chamar-se D. ALVARO GONÇALVES DE ATHAIDE, como consta da carta de 5 de Março de 1450 de confirmação do contrato de casamento (Misticos L°3°, fls.74 e 110).
Esta nomeação foi justificada pelas suas extraordinárias qualidades e pelos valorosos serviços prestados ao seu país. Álvaro Gonçalves de Ataíde havia estado ao serviço do Infante Duque de Coimbra com quem combateu na Bósnia apoiando o Imperador Segismundo, participou na tomada de Ceuta e na expedição que, três anos depois, dirigida pelo Infante D. Henrique, o “Navegado ali voltou para o “descerco” da mesma cidade, foi um dos representantes de Portugal no Concilio de Constança, de que resultou a unificação da Igreja sob um único Papa, e foi aio do infante D. Afonso futuro rei.
Cito algumas referências que lhe são feitas em diversa documentação, esclarecendo previamente o seguinte: Em 1422, em 12 de Agosto, D. João I, estando em seus paços na Vila de Óbidos, determinou que todos os documentos públicos em Portugal passassem a ser datados não pela era de CESAR, mas pela era do NASCIMENTO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO. A diferença entre as duas eras é de trinta e oito anos. Assim o ano que corna era o de 1460 pela Era de César e passou a sen o de 1422 pela Era de Cristo.
1420 - Alvaro Gonçalves de Ataíde, do conselho e governador da casa do infante D. Pedro (filho de D. João I) e alcaide do castelo de Monforte de Rio Livre, obtém carta em 10 de Outubro para cinquenta homiziados poderem viver na vila e povoá-la.
1425 - D. Pedro, por carias de 15 de Junho doa a Alvaro Gonçalves de Ataíde, pelos serviços por ele prestados como seu cavaleiro e do conselho de seu pai e governador de sua casa, os casais da Chança e do Carvalhal, no termo da vila de Penela e o lugar de Cernache.
Alvaro Gonçalves de Ataíde mostrou o privilégio que lhe fora dado por D. João I que é do teor seguinte:
Alvaro Gonçalves de Ataíde, do nosso conselho e regedor da casa do infante D. Pedro, meu filho, carta de privilégio para seus caseiros, lavradores, amos e mordomos. Dada em Lisboa a 8/10/1425. Carta confirmada em Santarém a 24/10/1440 por D. Afonso V.
Em 1445 armou uma das 26 caravelas que se destinaram a Guiné e da qual era capitão João de Castilha, juntamente com uma caravela de Picanço e outra de Tavira, esteve em Palma e na Gomeira, onde realizou proezas várias com a ajuda de dois capitães, Bruco e Piste, que ali residiam e se tornaram servidores do Infante. Foi cavaleiro da Ordem da Espada e, como acima refiro, aio do próprio rei D. Afonso V.
Casou na Era de César 1450 (1412) em Lisboa, por carta de arrás, com D. Guiomar de Castro, que foi aia da Infanta D. Leonor (depois Imperatriz da Alemanha), filha de D. Pedro de Castro, senhor do Cadaval e de sua mulher, D. Leonor Teles de Meneses.
Fundou esta ilustre Condessa de Atouguia, depois de viúva o Convento de Santa Maria de Jesus em Xabregas. Tomaram dele posse os religiosos no dia 17/4/1460. El-rei D. Afonso V e grande parte da fidalguia assistiram a este solene acto.
Ali mandou construir jazigo para os Atouguias, seus descendentes que, por gerações que se seguiram, foram proprietários do seu padroado.
Também o então oratório chamado “da Fontinha”, nome primitivo dado ao já extinto Convento de São Francisco em S. Bernardino, foi objecto da sua generosa contribuição para poder concretizar a construção daquela casa de oração em terreno oferecido por Pedro Alvares, tabelião da vila da Lourinhã.
E de salientar a valiosa contribuição que deu na época para as grandes obras de conservação e alguma remodelação na Igreja de São Leonardo, em Atouguia da Baleia. É-lhe atribuída a construção do coro existente ao fundo da nave central, encostado à parte interior da fachada sobre a porta principal (eliminado aquando das obras de restauro da igreja executadas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais na década de 1970). A construção do coro é testemunhada por uma lápide gótica que a ele se refere, e tem a data de 1463, que existiu colocada na primeira coluna daquele templo no lado da epistola (hoje exposta num dos altares laterais sem qualquer fixação).
Faleceu D. Alvaro na era de Cristo de 1452, sendo seu corpo depositado num mausoléu construído para o efeito na Capela Mor da Igreja de S. Leonardo de Atouguia, sede espiritual do seu Conda do, acima do quai foi colocada uma inscrição gravada em caracteres góticos encimada pelo Brasão dos Ataídes.
Sua mulher D. Guiomar de Castro, Condessa de Atouguia, foi a sepultar no Convento de Santa Maria de Jesus em Xabregas, por ela mandado construir.
(Continua no próximo número)
segunda-feira, fevereiro 02, 2009
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1 comentário:
Onde foi buscar a informação da passagem da atouguia :
"A posse por Joana Dias do senhorio recebido do seu marido não foi pacifica e foi contestada por el-rei Dinis. A contestação deu origem a um pleito com sentença favorável ao monarca. Assim, em 3/2/1307, o senhorio da Atouguia e seu termo voltaram à coroa."
?
Obrigado.
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