sexta-feira, fevereiro 06, 2009

O CONDADO DE ATOUGUIA E SEUS ANTECEDENTES (continuação)

A D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, primeiro Conde de Atouguia, sucedeu seu filho D. Martinho de Ata como já vinha acontecendo também com poderes de “Donatário”, o que lhe conferia poderes para fundar povoações, cobrar impostos, distribuir terras, administrar justiça, salvo em caso de crimes de morte ou “talhamento de membros”, e ter vários monopólios, como da venda de sal, dos fornos públicos, dos moinhos de vento ou de água, também designados por azenhas.
Foi casado com D. Catarina de Castro, condessa de Avranches. Foi Condessa da Atouguia e era já viúva de D. Alvaro de Almada (faleceu a 1/11/1453), muito pouco tempo depois do seu enlace matrimonial com o conde Martinho, sem deixarem descendentes.
Casou o referido conde pela 2° vez, em 1457, com Filipa de Azevedo, filha de Luís Gonçalves, tesoureiro de El-Rei, do seu conselho e vedor da sua Fazenda.
Foi filho destes D. João de Ataide, casado com D. Brites da Silva, filha dos primeiros Condes de Penela. Não sucedeu no titulo e casa porque depois de viúvo e ainda em vida de seu pai se meteu a frade da Ordem de S. Francisco, na quai viveu esta fase de sua vida santamente.
Merece este Frei João de Ataíde uma especial referência já que foi “ Senhor que foi de Atouguia” mas sem ter o titulo de conde, pois mais honra lhe deu vir um dia a ser Frade Menor de S. Francisco do que fidalgo da melhor fidalguia do Reino de então.
Levaram seus pais muito a mal a resolução do filho, vendo nele interrompida a sucessão da casa. Logo no seu noviciado deu evidentes evidentes mostras da sua virtude, parecendo mestre de perfeiçoes, sendo ainda discípulo entre os mais noviços”. Foi porteiro no Convento de Santa Catarina da Carnota e alguns “milagres” lhe foram atribuídos da mais variada natureza e grandeza. Com o generoso apoio da Rainha D. Leonor, mulher de D. João II, criou dotes para tomarem estado de matrimónio mulheres perdidas nos meandros da prostituição. Pedia no Paço para acudir às gentes do campo. A pedido do Rei D. Manuel, foi ele o indigitado para fundar o Convento de Vila Viçosa, onde viveu desde 1503 até 1507, tendo morrido nesta casa aos 13 de Novembro desse ano. Logo sua sepultura foi oratório de romeiros, até que no ano de 1547, por influência de D. Luís de Ataíde, neto do venerável João, se fizeram trasladar suas rel para o Convento de S. Bernardino, “por estar em terra do seu condado”.
Passaram ainda as relíquias pelo palácio da mãe do mesmo conde e novos milagres e graças lhe foram atribuídas até que, no ano de 1559, foram trasladados para o novo Convento, tendo assistido as Comunidades de Peniche e de S. Bernardino. “Deste servo de Deus escreveram muitos cronistas da Ordem e alguns Autores de fora, sendo todos uniformes na Relação da sua Vida, virtudes e milagres”.
Devo dizer, depois de tomarmos conhecimento e analisarmos um pouco da vida deste servo de Deus, que não nos custa a acreditar, atendendo às suas altas qualidades de bondade e prontidão a ajudar os mais necessitados, que era forte o seu desejo de, depois de viúvo, trocar logo as delicias e brandura do leito por uma tábua dura, não aceitando o titulo de Conde, e assim ser sucessor de seu pai, por não se sentir preparado para o bom desempenho daquelas funções já que eram frequentes as queixas contra as doações aos nobres, como as apresentadas nas Cortes de Evora em Novembro de 148l que passo a relatar:
“Disseram os procuradores das cidades e vilas que muitas terras deviam regressar à coroa. E uma critica à politica geralmente seguida por D. Afonso V. Os moradores estão cansados dos abusos e exigências dos Senhores.
Quanto a vilas grandes e outras meãs, e outros lugares, foram e são desmembrados da vossa real coroa, que mais dignas eram e são de liberdades e honras que de serem dadas a muitos senhores e fidalgos, de que são tratados os moradores fora de toda a humanidade, com tão ásperas cruezas que é piedosa coisa de ouvir quanto mais se sentir.”
Foi seu sucessor seu neto, Luís de Ataíde, que nasceu em 1517, filho segundo de D. Afonso de Ataíde e de sua mulher, D. Maria de Magalhães. Casou três vezes: a primeira com D. Joana de Távora Vilhena, filha de Luís ,Alvares de Távora, 13°. Senhor de Mogadouro, e de Filipa de Vilhena; a segunda com D. Maria de Noronha, filha dos 4.os Condes de Odemira; a terceira com sua sobrinha D. Isabel de Meneses, filha de Tristão da Cunha, comendador de S. Pedro de Torres Vedras, e de D. Helena de Ataíde (sua irmã). Esta Condessa professou, depois de viúva nas freiras descalças da Madre de Deus de Lisboa.
Foi este ilustre Senhor da Casa da Atouguia combatente como guerreiro nas campanhas de Africa, tomou parte na expedição ao mar Roxo, sob o comando de D. Estevão da Gama, por quem foi armado cavaleiro. Nomeado, por D. Sebastião, Vice-Rei da India foi um dos mais ilustres e de tal maneira se desempenhou do lugar, no domínio militar e de saneamento da administração pública, que se tornou notado nos combates contra o Hidalcão, Nizam Melek, o Samorim, o Sultão de Cambaia. Quando regressou à Metrópole, a 6 de Janeiro de 1572 foi recebido pelo Rei, com todas as honras, entrando em Lisboa com todo o aparato e devida solenidade, tendo sido conduzido debaixo do pálio, à direita do Rei, desde a Sé até a Igreja de S Domingos.
Voltou a ser nomeado uma vez mais Vice Rei da India, para onde partiu a 16 de Outubro de 1677 com três naus. Là iniciou um segundo periodo de governação, assegurando a paz e a nossa soberania com os vários príncipes hindus.
Em Peniche além das grande obras que requereu e dirigiu, no dominio militar, na sua qualidade de Alcaide Mor, também mandou construir um convento para frades da Ordem de S. Francisco, frente ao mar do norte a caminho da antiga capela de Santa Cruz (actual Igreja de Nossa Senhora dos Remédios), para lhe servir de repouso eterno apôs o seu falecimento. Morreu na India quando pensava embarcar para Portugal com os seus soldados e lançar se nas hostes do Prior do Crato, que defendia a independência.
Foi depositado o seu cadáver na capela-mor da Igreja dos Reis Magos, em Goa, e depois trasladado para o Convento do Bom Jesus, em Peniche. a seu pedido, ficando num belo túmulo na capela-mor do lado do Evangelho.
Após a abolição das Ordens Religiosas, em 1834, o edificio foi abandonado, caindo em ruinas. Destruído o sepulcro de D. Luis de Ataíde foram as ossadas do herói transportadas para a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda em Peniche. Longos anos se passaram sem se dar qualquer solução aos restos mortais de tão grande homem que foi D. Luís de Ataíde. Na sequência de uma visita feita em 1878 pelos membros da Câmara Municipal de então à Igreja matriz da Ajuda, que ficaram surpreendidos pela forma como estavam tratados os restos mortais de tão grande homem, foi aprovada pelo Município uma verba destinada à trasladação dos ossos de D. Luís de Ataíde para mais condigna sepultura. Porém, em face da escassez de recursos, tudo ficou na mesma.
Em 11 de Março de 1898, na Revista “O Ocidente”, por ocasião das comemorações do 4° centenário do descobrimento do caminho marítimo D. Maria Ribeiro Artur publicou um texto evocativo desta grande figura nacional e lamentando o abandono a que estavam votados os seus restos. Nada adiantou, pois só a partir da reunião camarária de 6/8/1929, foi dado o devido andamento a este assunto. Em reunião de 12/3/1931 foi aprovada, por unanimidade, a trasladação para a igreja da Santa Casa da Misericórdia de Peniche dos restos mortais de D. Luís, a serem colocados numa urna a expensas do Município, devendo previamente serem convidadas todas as entidades oficiais para assistir a esta tão justa homenagem. E assim, finalmente, tiveram sepultura condigna os restos mortais do 3° Conde de Atouguia.
D. Luís de Ataíde, embora tenha, como acima refiro, celebrado três matrimónios, não deixou filhos. Sucedeu na Casa (mas não no título) seu irmão D. Alvaro Gonçalves de Ataíde que já era de idade bastante avançada nessa data. Foi comendador de Santa Maria de Escalhão e serviu na India.
Foi 4°. Conde João Gonçalves de Ataíde, neto de Simão Gonçalves da Câmara, 3° Capitão Donatário do Funchal, e de D. Isabel da Silva, filha do 2° Conde. Herdou o titulo por via de sua avô, por falta de descendentes do 3° Conde e seus irmãos, concedido por D. Filipe I (II, de Portugal) em 1588, a casa de Atouguia de juro e herdade, com as ihas Berlengas e Baleal e, em 1592, o mesmo soberano lhe confiou o castelo, pescaria e comenda de Arguim.
Foi também comendador de Adaúfe na Ordem de Cristo.
Casou com D. Mariana de Castro, que morreu viúva a 25/5/1632, dama da Infanta D. Isabel, filha herdeira de Martim Afonso de Miranda, Guarda-mor e Camareiro do Cardeal-Infante D. Henrique, alcaide-mor de Monte Agraço, e de sua mulher, D. Joana de Lima.
Foi o Conde D. João de Ataide, muito apaziguado pelo rei Filipe II de Espanha, a quem sempre serviu com muito esmero e dedicação. Recebeu em troca muitas mercês e honrarias. Cerca de vinte anos depois de ter recebido a doação e Senhorio de Peniche, consegue do Poder Real a criação do seu concelho, em 12 de Novembro de 1609, separando-o da Vila de Atouguia. Para que tal facto se desse o conde apresentou a seguinte razão:
“Que o dito lugar tinha novecentos para mil vizinhos e entre eles quatro Companhias, com seus Capitães e Oficiais, de boa gente, com uma Fortaleza e um porto muito bom, onde havia sempre navios, assim da terra como de fora, e outros que ali se acolhiam perseguidos dos corsários e ladrões, de que era mais frequentada aquela costa, principalmente naquela paragem por estar perto das Berlengas, onde os ditos corsários tinham o seu acolhimento ordinário.
E rendia o dito lugar, de sua imposição, Alfândega e Sisas, oito mil cruzados, de modo que para Vila tinha mais qualidades, rendimentos e povo que Atouguia, que não chegavam a cento e cincoenta visinhos, e que todas as mais Vilas que havia nesta costa de Sines a Buarcos.”
A 12 de Novembro de 1609 foi publicada a caria da elevação de Peniche a Vila nos seguintes termos:
“DOM FILIPE, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos que esta minha Carta virem, que D. João Gonçalves de Ataíde, Conde de Atouguia, me pediu por sua petição lhe fizesse mercê que o logar de Peniche, termo da Villa de Atouguia, fosse VILLA
Obtida essa mercê, não tardou em pôr à disposição da Vila de Peniche instalações para o bom desempenho dos serviços p cos e tudo o que foi poss ao seu alcance.
Também conseguiu do rei Filipe II comparticipação para fazer obras no Paço da Serra de El-Rei, onde residia quando se encontrava por estes seus Senhorios de Atouguia e Peniche.
Faleceu o Conde D. João a 14/4/1628. Na época, além das suas altas responsabilidades ao serviço da Coroa, estava à trente dos destinos da Santa Casa da Misericórdia de Peniche, na qualidade de Provedor.
(Continua no próximo número)

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