Por: Fernando Engenheiro
O vestuário é o conjunto de peças de roupa que o homem utiliza para cobrir, proteger e adornar o seu corpo.
A necessidade de utilizar roupas foi imposta pela inclemência do clima. Porém, este aspecto puramente utilitário foi depois condicionado pelo desejo do homem de se adornar e de exteriorizar através da indumentária a sua posição económica e social
Desse desejo nasceu a arte de confeccionar o vestuário , a arte do alfaiate.
O trajo português, salvo algumas características tradicionais populares, em regiões menos permeáveis à moda, onde evoluiu a distância das influências estranhas e portanto com uma lentidão mais consentânea com a sua natural transformação , na composição , no talhe e na cor, foi sempre fortemente inspirado no gosto estrangeiro, para cá trazido pela corte, na quai a profissão de alfaiate estava sempre presente para a confecção vestuário para ambos os sexos.
A inconstância da moda, sacrificada a cada momento pela fantasia humana, variando no entrechoque das mais desordenadas influências e evoluindo subordinada a mil caprichos, obrigava o mestre alfaiate e seus oficiais a que estarem sempre actualizados de modo a acompanhar a moda, que impunha alterações à prática das suas actividades profissionais.
Entre as profissões de ALFAIATE e ALGIBEBE a diferença era pouca, quase sempre reunidas, pertencendo à bandeira de Nossa Senhora das Candeias, a qual dava dois delegados à Casa dos Vinte e Quatro, no antigo regimen dos Grémios dos Ofícios. O algibebe era o oficial que vendia fato feito, principalmente na época dos capotes em burel, véstias, coletes, calções de balão, etc. , peças que na sua tenda expunha aos olhos do povo, nas praças principais da povoação ou em feiras e mercados com a designação de vendedor ambulante.
Pelas resoluções de 28 de Outubro e 1 1 de Novembro de 1817 foram mantidos os alfaiates na posse do direito de poderem comprar as matérias do seu oficio em venda por atacado contra a vontade dos mercadores da venda de tecidos.
Por ordens de 15 de Maio e 18 de Junho de 1821 foi-lhe concedido, mais uma vez, tal direito, ficando, a partir de então, sem efeito a grande protecção dada aos mercadores para quem era mais favorável a venda dos tecidos de fora a retalho.
Nas mesmas disposições também lhe foi concedido o direito de poderem vender fato feito, como os algibebes.
Por alvará de 26 de Julho de 1826 foram definitivamente fixados aos alfaiates e algibebes os géneros de indústrias e objectos de venda que lhes eram permitidos. Os algibebes não podiam ser excluídos dos leilões da fazenda de lã, quase sempre mais procurada para gente da plebe.
Em meados do século dezanove começaram a ser tomados em consideração os figurinos, para ambos os sexos, que difundiram a moda fora do ambiente cortesão. Havia necessidade de se especializarem os alfaiates de então para darem resposta às exigências com que se confrontavam.
Na década de 70 do século XIX, mais propriamente em 15/2/1879, funcionavam em Peniche 8 oficinas de alfaiate, ao serviço do seu publico, constituídas por oficiais e aprendizes de ambos os sexos. Os mestres que se encontravam à frente daqueles estabelecimentos eram os seguintes:
Francisco dos Anjos e Manuel José da Silva, na freguesia de Nossa Senhora de Ajuda; Luís de Almeida e Pedro Franco Leitao, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição e por ultimo, João Nepomeceno Mota, Justino de Azevedo Melo, Rufino de Assis Gonçalves e João de Azevedo Melo, na freguesia de S. Pedro.
Estava-se na época do grande desenvolvimento comercial, do invento da máquina de costura pelo inventor americano Elias Howe, operário numa fábrica de Boston. Começaram as primeiras máquinas de costura por serem manuais, isto é, de manivela, movida pela mão direita e servindo a esquerda para segurar a fazenda, cosida pela agulha mecânica guiadora e transportadora da linha. Da máquina manual, ou de manivela, passou-se alguns anos depois à de pedal, progresso bastante bem aceite por deixar os dois braços livres para o trabalho a executar, permitindo a quem a utilizava maior perfeição.
(A-propósito destas máquinas e do ruído que produziam, lembro aqui uma curiosidade que chegou aos nossos dias: trata-se da crendice popular que, tomou grande vulto, da chamada “mulher da máquina de costura”. No silêncio da noite e em casas antigas julgava-se ouvir, a altas horas, o ruído característico duma máquina de costura o que, para alguns, denunciava a presença da alma duma costureira penando por seus pecado. Esta crendice chegou a dar origem a pequenos motins e desordens entre crentes e incrédulos, além de ter provocado intervenções jornalísticas de duvidosa legitimidade).
Ainda falando do invento da máquina de costura, devo referir que foram tempos difíceis para o seu inventor.
Foi uma luta bastante grande não só pela falta de recursos para realizar e tornar conhecida tal realidade, como pelo combate violento que lhe foi imposto pelos que defendiam a rotina da costura à mão, que se julgavam prejudicados se a ideia do inventor fosse aceite e auxiliada.
Um outro inventor deixou também o seu nome ligado ao aparecimento da máquina de costura. Foi (Barthélemy Thimonnier,nasceu em :L'Arbresle (Rhône) 19 Agosto 1793 e morreu em Amplepuis dia no 5 de julho de 1857), francês, operário numa fábrica de fiação e tecidos da pequena povoação de Amplepuis.
Este também não viu aceite a sua invenção. Instalou-se em Paris com uma oficina mas as costureiras revoltaram-se e destruíram a sua casa, por considerarem a máquina de costura um perigoso adversário e competidor ruinoso.
Ao longo dos anos tudo se compôs e as máquinas de costura foram objecto de fabrico industrial e de exportação que alcançou todos os continentes, em boa parte por via marítima.
Em Peniche ficou na memória de seu povo o naufrágio, ocorrido a 28/10/1892, na costa norte do Baleal (em Vale de Janelas), do vapor inglês “ROMANIA”, em que perderam a vida 113 pessoas, entre tripulantes e passageiros. O naufrágio foi provocado por grande serração e forte temporal. Lembro aqui que a maior parte da carga do referido vapor eram máquinas de costura manuais e peças de tecido. Ainda hoje se encontram em casas particulares desta cidade objectos recuperados do naufrágio entre os quais se incluem máquinas de costura daquele modelo.
Na passagem do século XIX para o século XX funcionavam em Peniche as seguintes oficinas de Alfaiataria: na actual rua Marquês de Pombal, a de Mariano Rasteiro; na rua José Estevão , a de Bernardo Monteiro e a de Antônio Colé; na rua Gomes Freine de Andrade, a de Joaquim da Rosa e a de João Verissimo dos Santos Costa.
Alguns anos depois da implantação do regime republicano de 1910, e referindo-me exclusivamente a Peniche, com excepção a classe marítima, são postos de parte os tecidos grosseiros como o burel pardo de lã meirinha, o baeta e o serrabeco. As fábricas de lanifícios da Covilhã começam a deitar cá para fora novos padrões que influenciam o estilo e o modo de vestir.
Com a influência dos figurinos ingleses, passa-se a usar o designado por “clássico”, fato inteiro com colete, de mode- b simples ou jaquetão (casaco assertoado).
Abrem-se novas oficinas de alfaiataria, tais como a de Antero Pereira Teixeira, na Praça Jacob Rodrigues Pereira e a de Augusto Santana Veloso, primeiro no Largo Bispo de Mariana e mais tarde no Largo Figueiredo Fana. Foram autênticas escolas de conte e costura, para ambos os sexos, bem como a de João de Jesus Miranda, primeiro na rua Marquês de Pombal e depois na rua Primeiro de Dezembro.
Outras se seguem como as de Mário Martins de Jesus, na rua Gomes Freine de Andrade; Manuel Maximiano Alves, na rua José Estevão , e a muito conhecida, ainda na memória de muitos, do “Santos Alfaiate” , na rua Marquês de Pombal, e por último as dos dois irmãos Guilhermino Esteves da Silva e Eduardo Esteves da Silva, respectivamente, na rua Gomes Freine de Andrade (depois na Rua Gannet) e rua José Estevão. Ainda na década de 50, no n°5 do Campo da República instalou-se o alfaiate Saraiva de Aguiar.
Vindas do estrangeiro, novas influências na maneira de vestir, com mais simplicidade, são aceites por todo o País, nomeadamente com a utilização dos tecidos designados pon “gangas” que não são mais do que um tecido forte azul ou amarelo.
Entretanto, generalizou-se a abertura ao público de estabelecimentos de “pronto a vestir”, que tiveram desde logo grande aderência por proporcionarem o que o cliente pretende sem necessidade de recorrer ao alfaiate, o que para o modo de viver actual trouxe grandes vantagens.
Nos nossos dias a profissão de alfaiate, em Peniche, está praticamente em vias de extinção . Só resta um estabelecimento do ramo na rua José Estevão.
APONTAMENTOS DIVERSOS:
Hoje, que se sacrifica à vaidade no vestuário e à ostentação de toda a espécie o conforto doméstico e o próprio alimento, não deixa de vir a propósito lembrar as providências que dantes se tomavam para refrear o luxo:
A mais antiga que se conhece é do tempo de D. Pedro I, o qual mandava açoitar quem comprasse fazendas fiadas e, na reincidência, condenava-o à morte.
Alguns reis foram em extremo rigorosos para com os transgressores das pragmáticas. Entre eles destacam-se D. João I, D. Duarte e D. João II Outros publicaram-nas apenas por pr-forma e pouco cuidavam das consequências econômicas e morais que o considerado luxo desenfreado trazia à nação.
Podem calcular-se os incidentes curiosos a que daria lugar a fiscalização do cumprimento das pragmáticas. Como curiosidade para os dias de hoje, cito um: trata-se dum acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 23 de Agosto de 1607, contra um alcaide que pretendeu verificar se uma mulher casada, contra a lei, usava bairas ou rendas no mantéu e apanhou uma bofetada em troca do atrevimento.
Peniche, Abril de 2008.
sexta-feira, abril 04, 2008
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