Por:Fernando Engenheiro
Foi a partir da década de 40 do século transacto que a Câmara Municipal de Peniche, então sob a presidência de José da Motta Coutinho Garrido, funções que acumulou com as de Capitão do Porto de Peniche e, por inerência, com as de Presidente da Casa dos Pescadores, reconheceu, por casos com que deparava no dia a dia, a grave crise habitacional que afectava a Vila de Peniche, facto que muito contribuíra para os atrasos sentidos no desenvolvimento das suas actividades comerciais e industriais.
Esta crise era sentida principalmente pelas classes menos abastadas que, por falta de meios, não podiam fazer face às rendas das poucas casas existentes para arrendamento com um mínimo de condições indispensáveis de conforto e higiene. Muitas famílias, nomeadamente as constituídas por operários/as trazidos/as para Peniche quando da implementação aqui da indústria conserveira no início do século XX, eram obrigados a viver, em muitos dos casos, em verdadeiros cubículos construídos em madeira onde a chuva e o vento entravam implacavelmente e forçando-as a uma vida de forte promiscuidade.
A edilidade de então foi impulsionada por um sentimento humanitário e filantrópico e, ao que nos é dado conhecer, pelas facilidades que o Governo da Nação, na sua obra de ressurgimento nacional, dava aos Corpos Administrativos para debelarem tão grave problema.
Foi a partir da deliberação camarária de 12/2/1948 que se pôs mãos à obra com a aquisição de terrenos particulares no sitio escolhido para a implantação de um bairro com 60 casas para alojamento de famílias pobres.
Atendendo a que a Câmara Municipal não poderia por si só custear uma iniciativa desta natureza, devido ao seu elevado custo, houve que recorrer a um empréstimo a contrair na Caixa Geral de Depósitos Crédito e Previdência.
Cumpridas as formalidades legais, foi possível adquirir amigavelmente os terrenos aos respectivos proprietários:
Ao Doutor José Bonifácio da Silva, 6.200 m2 por 14.000$OO, 5.300 m2 por 26.500$OO, 2.600 m2 1 3.500$OO; a Nicolau Romão, 4.600 m2 por 23.000$OO, 2.800 m2 por 14.000$OO; a Joaquim de Matos Bilhau, 8.100 m2 por 40.500$OO.
Já com os terrenos em poder do Município, em 2/5/1949 foi celebrado o contrato de empreitada para construção de “Um bairro de 60 casas de habitação para as classes pobres de Peniche” entre Francisco Vieira Romão, residente em Torre, freguesia de Reguengo do Fetal, concelho da Batalha, e Albano Tomé Feteira, residente em Vieira de Leiria e o Municipio de Peniche, sendo a obra adjudicada pelo preço de um milhão trezentos e sessenta e nove mil escudos.
Acompanharam esta obra exercendo funções de apontador ao serviço do Comissariado do Desemprego Paulino Patrício e Mário José Gomes, residentes em Peniche.
Tudo estava encaminhado para a inauguração se realizar no período de 27 de Abril a 28 de Maio, o que não foi possível por falta de cumprimento dos prazos de entrega das importâncias a pagar aos empreiteiros.
Concluída a obra foi feito o balanço das despesas. Para tanto fez-se um estudo económico relativo ao custo das construções e encargos inerentes e, bem assim, entregar aos empreiteiros.
A precária situação financeira com que a Câmara Municipal se debatia impunha solução imediata, inadiável, e, atendendo à impossibilidade de se obter com urgência um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos Crédito e Previdência dado o seu cerceamento na concessão de créditos, houve que obter um empréstimo do próprio empreiteiro, Albano Temê Feteira, no valor de trezentos e setenta mil escudos, combinado ao juro de quatro e meio por cento ao ano, amortizável em cinco prestações anuais, com início em mil novecentos e cinquenta e dois, a liquidar no mês de Julho de cada ano. A respectiva escritura foi lavrada pelo Notário Privativo do Município a 5/7/1951 , já na presidência de António da Conceição Bento.
Comparticiparam a construção do Bairro o Estado (por Portaria de 15/2/48) e o Fundo de Desemprego (por Portaria de 22 do mesmo mês e ano). ao nível de vida das classes a que o mesmo bairro se destinava.
Nessa analise apurou-se que foram despendidas as seguintes verbas:
Custo da construção das moradias (excluídas as comparticipações): novecentos e oitenta e nove mil quatrocentos e oitenta e seis escudos e trinta centavos.
Aquisição dos terrenos para a edificação: cento e sessenta e dois mil e quinhentos escudos.
Urbanização (excluída a comparticipação): duzentos e sessenta mil escudos.
Electrificação: cinquenta mil escudos.
Tudo perfazendo um total de um milhão, quatrocentos e sessenta e um mil, novecentos e oitenta e seis escudos e trinta centavos.
Como acima referi, porque o erário municipal não com portava tão elevadas despesas, houve que recorrer a operações de crédito. Contraiu-se na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, em 9/4/1946, um empréstimo de seiscentos mil escudos, além do contraído ao empreiteiro. Foram encargos suportados por um período de 20 anos com verbas a retirar das receitas próprias do município.
Para a avaliação da situação económica das famílias a instalar no bairro foram tomadas em consideração as fichas preenchidas pelos interessados. Verificou-se que a média das rendas pagas na época oscilava entre oitenta e cento e oitenta escudos e que os salários diários dos chefes de família variavam entre vinte e trinta escudos. Estes elementos conduziram à fixação das rendas do bairro. Assim, por deliberação camarária de 10/9/1951 , dado que ah existiam dois tipos de fogos, com diferentes dimensões (designados por A e B), foi atribuído o valor de noventa escudos mensais para a renda dos fogos do tipo A e o de cento e vinte escudos mensais para os do tipo B. Estes valores foram aprovados por despacho do Subsecretário de Estado do Tesouro de 17/7/51 conforme ofício do Governo Civil de Leiria L. 5 0/5, de 24/10/51.
Para reger o bairro e para boa orientação e disciplina dos seus ocupantes, a Câmara Municipal, em sua reunião 8/10/1951 , aprovou o “Regulamento para a ocupação das habitações no BAIRRO SENHOR DO CALVARIO”. Era constituído por 9 artigos. Como curiosidade, transcrevo o artigo 5
“Os logradouros das frentes principais das habitações devem ser ajardinados sendo anualmente atribuído um prémio de 150$OO ao morador que mais cuidada e artisticamente apresentar, no dia 28 de Maio de cada ano o seu logradouro”.
Concluídas as obras da primeira fase (construção das habitações) e da segunda fase (obras de urbanização - executadas por administração directa) procedeu-se à sua inauguração. Esta ocorreu, no dia 8 de Novembro de 1951 , com a presença do Senhor Ministro das Obras Publicas, Governador Civil do Distrito, Presidente da Câmara Municipal e mais entidades oficiais. A inauguração foi precedida de uma sessão solene de boas vindas no Salão Nobre dos Paços do Concelho, com a simbólica entrega das chaves das casas aos respectivos moradores. A festiva inauguração do Bairro foi assinalada com o descerramento duma placa toponímica numa pequena praceta existente no interior do novo aglomerado habitacional. Os festejos foram abrilhantados pela Banda Musical de Serra de El-Rei tendo colaborado na recepção organizada no Largo de Nossa Senhora da Ajuda as crianças da Escola Primária e os três ranchos folclóricos de Peniche. Refira-se que na mesma data foi inaugurada a Estrada Municipal de Geraldes aos Casais do Julio e o Campo de Jogos do Atlético Clube de Geraldes. No dia 4 do mesmo mês, em Atouguia da Baleia, com a presença dos Senhores Ministro da Economia, Subsecretário de Estado da Educação Nacional e Governador Civil do Distrito, haviam sido inaugurados dois edifícios escolares, melhoramentos no Centro de Assistência Social e ligada a iluminação eléctrica na sede da freguesia.
Novos terrenos foram adquiridos para abertura de acessos ao bairro e para a sua ampliação com novas construções. Em sessão camarária de 14/2/1952 foi deliberado adquirir para abertura de uma rua mil trezentos vinte e sete metros quadrados e vinte e dois centímetros, por oito mil novecentos e cinquenta e quatro escudos e vinte centavos, à Sociedade de Madeiras Lena, L da. Na mesma reunião, para efeitos de urbanização, foi deliberado adquirir-se, ao Doutor José Bonifácio da Silva, um terreno com a área de mil e novecentos metros quadrados, pelo preço de doze mil escudos. Dias de- pois, a 25 do mesmo mês, foi adquirido a Dona Amélia da Piedade Bilhau, para ampliação do bairro, uma parcela de terreno com a área de mil metros quadrados, pelo preço de cinco mil escudos.
A primeira ampliação do bairro concretizou-se com a construção de mais vinte moradias, agrupadas em dez blocos. A obra foi entregue, por contrato de empreitada, à firma Sousa & Caetano, L.da, com sede em Caldas da Rainha. A adjudicação foi feita pelo preço de trezentos e oitenta e nove mil oitocentos e noventa e cinco escudos, sendo a respectiva escritura lavrada pelo Notário Privativo da Câmara Municipal em 13/7/1953.
Por deliberação camarária de 10/8/1953, mais uma parcela de terreno com a área de dois mil metros quadrados, pelo preço de dez mil escudos, foi adquirida ao Doutor José Bonifacio da Silva, para ampliação do mesmo bairro. A Câmara Municipal tinha todo o interesse em continuar a adquirir ter- renos naquela zona, não sô porque enriquecia o património municipal mas também porque essa aquisição viabilizava a execução do plano de urbanização. Assim, pouco tempo depois, foi resolvido adquirir também ao Doutor José Bonifácio da Silva, pelo preço global de doze mil e quinhentos escudos, duas parcelas de terreno com a área de dois mil e quinhentos metros quadrados, tendo uma oitocentos metros quadrados e a outra mil e setecentos metros quadrados.
Pretendia agora a Câmara Municipal, nestes últimos terrenos adquiridos, mandar edificar mais 60 fogos, distribuídos por 7 blocos com 28 fogos e 8 blocos com 32 fogos.
Foi este assunto apresentado na reunião camarária de 5/12/1960 sendo que com estas novas construções se visava o realojamento das famílias que se mantinham no antigo bairro dos trabalhadores da fábrica “do Alemão” num bloco que deseja va demolir pelas péssimas condições que oferecia e por se encontrar encravado no logradouro da Escola Industrial e Comercial de Peniche.
A empreitada para a construção de mais estes 60 fogos no bairro Senhor do Calvário foi entregue ao empreiteiro Luís Costa, construtor Civil, residente em Lisboa, pela importância de dois milhões duzentos e vinte e cinco mil escudos, sen- do lavrada a respectiva escritura de adjudicação pelo Notário Privativo da Câmara, a 15/3/1962, na presença do novo Presidente Senhor Victor João Albino de Almeida Baltazar.
Findo os trabalhos, procedeu-se ao arranjo dos arruamentos, obra a cargo de Alexandre Genovevo Moreira, agente técnico de engenharia, trabalhos que foram adjudicados pela quantia de seiscentos e setenta mil setecentos e dezoito escudos, conforme sua proposta aprovada por deliberação camarária de 6/1/1967. Foi lavrada a escritura de adjudicação pelo Notário Privativo da Câmara a 27/2/1967.
Ainda em 1967 se procedeu à distribuição destas novas casas e, pouco tempo depois, alguns blocos que não foram desde logo ocupados foram utilizados para o realojamento das famílias vítimas do incêndio que então destruiu no Alto do Visconde um velho bloco habitacional de uma antiga fábrica de conservas que ali havia existido.
Ao longo dos anos, a Câmara Municipal, proprietária de todos os fogos do bairro, tem realizado ali, por administração directa, muitas obras de conservação periódica e de beneficiação. Em 1977, por as despesas de conservação serem mais avultadas, recorreu para o efeito a um empréstimo do Fundo de Fomento da Habitação no valor de um milhão e quinhentos mil escudos.
E de referir ainda que terrenos disponíveis existentes entre as casas do bairro foram cedidos pelo Município à Fundação Salazar que ali construiu cinco blocos habitacionais com um total de 40 fogos.
terça-feira, abril 24, 2007
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1 comentário:
Este bairro está a precisar de intervenção exterior. Há espaços que poderiam ser relvados e ajardinados. As pessoas fizeram acrescentos inestéticos transformando as casas numa amálgama de cores e casinhas de mau gosto. Muitos telhados são usados como depósito de materiais diversos aumentando a inestética do bairro.
A câmara deve intervir no sentido de formar as pessoas que nele habitam. Uma cidade que se pretende virada para o turismo deve atender cada vez mais a estes problemas, pois as pessoas tecem comentários e críticas a estas situações.
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