
As navegações e conquistas dos portugueses justificam historicamente a existência por todo o nosso litoral de polos de construção naval.
A natural posição do país, à beira dum imenso oceano e próximo dum continente estranho ao dele, impeliu os seus naturais para as rudes ides do mar onde cedo encontraram parte da sua alimentação.
Depois da organização politica do agregado, surge o plano de defesa da sua vida colectiva.
D. Dinis, no século XIII, com uma alta visão de homem de Estado, contrata italianos para ensinar aos nossos a rudimentar arte de navegar conhecida no Mediterrâneo e manda cultivar madeiras para construir embarcações.
No século seguinte começaram os reconhecimentos na costa noroeste africana. No período de quatrocentos, o Infante D. Henrique funda a escola de Sagres, criadora da ciência náutica que gerou a moderna civilização transoceânica. Na mesma época descobrem-se os arquipélagos da Madeira e Açores e continua-se a ladear a costa de Africa. Gil Eanes passa o Cabo Bojador, Bartolomeu Dias o das Tormentas. E no alvor do século XVI Gama descobre o caminho marítimo para a índia e Cabral atinge o Brasil. Fernando de Magalhães completa a epopeia volteando o globo.
A história aparece então em toda a sua beleza ao ter-se conhecimento da sabedoria e inteligência com que o plano foi concebido e executado.
Da India vieram o ouro e as especiarias. Do Brasil madeiras preciosas e outras riquezas. Na África formaram-se centros colonizadores.
A realização desse plano deu-nos uma supremacia sobre os outros povos que é ainda a razão da existência do Portugal de hoje.
Tiveram os navegadores os seus cooperadores nos reis, nos sábios e no povo que deu os contingentes para as tripulações mas muito em especial os artífices para a construção dos navios que as fizeram transportar.
Merecem todo o nosso respeito e consideração estes modestos colaboradores dos nossos descobrimentos marítimos pela forma como se houveram na fábrica dessas naves que resistiram à furia das águas e dos ventos. Procediam às suas construções o mais próximo possível de um cais, denominando-se a área ocupada por “Tercena”, antiga designação de “estaleiro naval”.
Estavam os artifices da construção naval divididos em petintais, carpinteiros e calafates. O petintal corresponde ao “carpinteiro de machado” de hoje, que se distingue dos outros carpinteiros por saber trabalhar com a enxó de cabo grande (para escavar as madeiras rijas do cavername). O termo “petintal” desapareceu e o de “carpinteiro” generalizou-se a ambas as categorias de artífices. Hoje distinguem-se ainda os “carpinteiros de branco” e os “de machado”. O petintal ou carpinteiro de machado, por vezes, acumula com o oficio de calafate (artífice especializado das essências florestais, bom linho e boas estopas). Oficiais de outros ofícios havia que cooperavam nos trabalhos da factura das embarcações, como cordoeiros, ferreiros e remolares, mas a acção destes exercia-se com a embarcação na água.
Os carpinteiros, calafates, tal como os arrais, mareantes e pilotos das naus de guerra da carreira da India, gozavam de grandes privilégios concedidos pelos reis D. Fernando, D:
João I, D. Duarte, D. Pedro (Regente), D. Afonso V, D. João Il, D. Manuel, D. João III, D. Sebastião e D. José e por fim confirmados pela Rainha D. Maria I. Pode dizer-se que essas classes, pela isenção de impostos e liberdades de que gozavam, estando dispensados de vários serviços que competiam à maioria dos cidadãos, eram tratados quase como nobres. Havia possivelmente a compreensão de que o destino da Pátria deles muito dependia.
Eram ciosos dos seus direitos, não permitindo que lhes superintendessem nem o Almirante do Reino, nem os Vedores da Fazenda, nem sequer o Almoxarife da área da sua residência, recebendo somente ordens dos seus legítimos mestre examinadores de carpinteiros e calafates.
Peniche, com as suas características e dada a sua situação geográfica, é, desde há muito, um importante polo da construção naval no nosso pais, não havendo já memória desde quando a arte da construção naval tem a sua actividade por estas bandas.
Pelo que nos é dado aperceber, não era difícil fazer chegar a esta então “ilha de Peniche” a madeira necessária para a construção das embarcações, vinda do vasto Pinhal de Leiria, por via marítima da Praia de S. Pedro de Moel, embarcada em navios de cabotagem que fundeavam perto de terra e que a levavam para Lisboa, alguma tendo como destino final as “tercenas” navais situadas na Ribeira das Naus, fazendo desvio para a entrega das encomendas destinadas a esta costa.
o documento mais antigo sobre os artifices da construção naval em Peniche que me foi possível consultar está registado no Livro de Vereações da Câmara Municipal de Peniche (2/12/1650) e relata o seguinte testemunho:
o Licenciado António de Aguiar da Silva apresentou uma provisão do Conde de Cantanhede, do Conselho de Sua Majestade, na qual se ordenava que o dito licenciado viesse a Peniche e ordenasse que todos os carpinteiros de navios ai existentes fossem trabalhar num galeão que se estava aprestando para ir à índia. Assim, foram declarados Domingos Gomes, Mateus João e Antão Luiz, como carpinteiros competentes para esse fim. Sabendo-se que os dois Últimos estavam no Algarve, foi mandado apresentar nos armazéns de Sua Majestade, dentro de 3 dias, Domingos Gomes”.
A natural posição do país, à beira dum imenso oceano e próximo dum continente estranho ao dele, impeliu os seus naturais para as rudes ides do mar onde cedo encontraram parte da sua alimentação.
Depois da organização politica do agregado, surge o plano de defesa da sua vida colectiva.
D. Dinis, no século XIII, com uma alta visão de homem de Estado, contrata italianos para ensinar aos nossos a rudimentar arte de navegar conhecida no Mediterrâneo e manda cultivar madeiras para construir embarcações.
No século seguinte começaram os reconhecimentos na costa noroeste africana. No período de quatrocentos, o Infante D. Henrique funda a escola de Sagres, criadora da ciência náutica que gerou a moderna civilização transoceânica. Na mesma época descobrem-se os arquipélagos da Madeira e Açores e continua-se a ladear a costa de Africa. Gil Eanes passa o Cabo Bojador, Bartolomeu Dias o das Tormentas. E no alvor do século XVI Gama descobre o caminho marítimo para a índia e Cabral atinge o Brasil. Fernando de Magalhães completa a epopeia volteando o globo.
A história aparece então em toda a sua beleza ao ter-se conhecimento da sabedoria e inteligência com que o plano foi concebido e executado.
Da India vieram o ouro e as especiarias. Do Brasil madeiras preciosas e outras riquezas. Na África formaram-se centros colonizadores.
A realização desse plano deu-nos uma supremacia sobre os outros povos que é ainda a razão da existência do Portugal de hoje.
Tiveram os navegadores os seus cooperadores nos reis, nos sábios e no povo que deu os contingentes para as tripulações mas muito em especial os artífices para a construção dos navios que as fizeram transportar.
Merecem todo o nosso respeito e consideração estes modestos colaboradores dos nossos descobrimentos marítimos pela forma como se houveram na fábrica dessas naves que resistiram à furia das águas e dos ventos. Procediam às suas construções o mais próximo possível de um cais, denominando-se a área ocupada por “Tercena”, antiga designação de “estaleiro naval”.
Estavam os artifices da construção naval divididos em petintais, carpinteiros e calafates. O petintal corresponde ao “carpinteiro de machado” de hoje, que se distingue dos outros carpinteiros por saber trabalhar com a enxó de cabo grande (para escavar as madeiras rijas do cavername). O termo “petintal” desapareceu e o de “carpinteiro” generalizou-se a ambas as categorias de artífices. Hoje distinguem-se ainda os “carpinteiros de branco” e os “de machado”. O petintal ou carpinteiro de machado, por vezes, acumula com o oficio de calafate (artífice especializado das essências florestais, bom linho e boas estopas). Oficiais de outros ofícios havia que cooperavam nos trabalhos da factura das embarcações, como cordoeiros, ferreiros e remolares, mas a acção destes exercia-se com a embarcação na água.

Os carpinteiros, calafates, tal como os arrais, mareantes e pilotos das naus de guerra da carreira da India, gozavam de grandes privilégios concedidos pelos reis D. Fernando, D:
João I, D. Duarte, D. Pedro (Regente), D. Afonso V, D. João Il, D. Manuel, D. João III, D. Sebastião e D. José e por fim confirmados pela Rainha D. Maria I. Pode dizer-se que essas classes, pela isenção de impostos e liberdades de que gozavam, estando dispensados de vários serviços que competiam à maioria dos cidadãos, eram tratados quase como nobres. Havia possivelmente a compreensão de que o destino da Pátria deles muito dependia.
Eram ciosos dos seus direitos, não permitindo que lhes superintendessem nem o Almirante do Reino, nem os Vedores da Fazenda, nem sequer o Almoxarife da área da sua residência, recebendo somente ordens dos seus legítimos mestre examinadores de carpinteiros e calafates.
Peniche, com as suas características e dada a sua situação geográfica, é, desde há muito, um importante polo da construção naval no nosso pais, não havendo já memória desde quando a arte da construção naval tem a sua actividade por estas bandas.
Pelo que nos é dado aperceber, não era difícil fazer chegar a esta então “ilha de Peniche” a madeira necessária para a construção das embarcações, vinda do vasto Pinhal de Leiria, por via marítima da Praia de S. Pedro de Moel, embarcada em navios de cabotagem que fundeavam perto de terra e que a levavam para Lisboa, alguma tendo como destino final as “tercenas” navais situadas na Ribeira das Naus, fazendo desvio para a entrega das encomendas destinadas a esta costa.
o documento mais antigo sobre os artifices da construção naval em Peniche que me foi possível consultar está registado no Livro de Vereações da Câmara Municipal de Peniche (2/12/1650) e relata o seguinte testemunho:
o Licenciado António de Aguiar da Silva apresentou uma provisão do Conde de Cantanhede, do Conselho de Sua Majestade, na qual se ordenava que o dito licenciado viesse a Peniche e ordenasse que todos os carpinteiros de navios ai existentes fossem trabalhar num galeão que se estava aprestando para ir à índia. Assim, foram declarados Domingos Gomes, Mateus João e Antão Luiz, como carpinteiros competentes para esse fim. Sabendo-se que os dois Últimos estavam no Algarve, foi mandado apresentar nos armazéns de Sua Majestade, dentro de 3 dias, Domingos Gomes”.
O galeão era um meio de transporte misto, tão bem armado como a nau. Uma das exigências da artilharia para as naus e galeões, em muitos casos, somava um total (para ambos os tipos de embarcação) de 37 peças de ordenança, incluindo um camelo, 12 esferas, 8 pedreiros, 12 falcões e 6 berços, sendo a tonelagem destes navios variada entre 480 e 520 toneladas.
Acompanhou ao longo dos tempos esta industria a Irmandade dos Carpinteiros Navais, datada de 1 506, que tinha como Patrono o Glorioso “S. ROQUE”, que abrangia todos os trabalhadores da arte, não só em Lisboa como de todo o Pais. Era costume quando algum irmão da Irmandade estava doente pôr-se-lhe à cabeceira da cama a imagem de S. Roque, por ser o advogado contra a peste e bexigas. Outro costume duma interessante ingenuidade, que nos relatam as memórias, era o das filhas dos carpinteiros oferecerem os travesseiros da noite do noivado ao Santo, para serem felizes com os seus maridos.
Subsidiavam-se os carpinteiros mutuamente, não se esquecendo da sua Irmandade até mesmo quando longe no Brasil e resgatavam à sua custa os irmãos prisioneiros dos mouros no norte de Africa.
Resta da veneranda Imagem deste Santo que em tempos existiu ao culto na Igreja de S. Pedro, desta cidade, a pequena cabaça em madeira, seu atributo, em poder actualmente dum particular.
Recordo aqui que a construção naval em Peniche teve, ao longo dos tempos, os seus altos e baixos. Faço questão de aqui mencionar os mais conhecidos calafates de Peniche dos primeiros anos do século XX: Fernando Maria Malheiros
- Isaac d’Assumpção Bernardo - Carlos Domingos da Costa - Francisco Martins e Francisco Maria Malheiros, que eram especialistas em barcos de navegação à vela, designadamente o “Batel”, o “Lugre”, a “Barca”, a “Escuna”, o “Cerco volante”, o “Palhabote”, o “Patacho”, o “Caíque” e as lanchas.
Os ventos da História mudaram e à medida que a revolução industrial avançava as velas foram rareando e com elas os bonitos veleiros.
Foi então, nos fins da década de vinte, que as barcas e os caíques, mais usuais na nossa praça, começaram a ser substituídos pelas traineiras. O seu tempo tinha passado, já não era rentável a embarcação à vela, dado terem surgido fontes alternativas de energia com melhores rendimento.
Foram a máquina a vapor e o motor que fizeram arriar as velas.
Passaram a construir-se aqui traineiras do modelo entrado nesta praça em 1913, o primeiro exemplar comprado em Vigo a 19 de Abril daquele ano por António Andrade, de Peniche, modelo de embarcação que passa a ser denomina do “traineira tipo Vigo”.
As sucessivas alterações nas dimensões e características dos cascos das traineiras tipo Vigo resultaram no modelo dito “tipo Peniche”, que surge em 1927 - com a sua popa direita e motor a petróleo, com as dimensões de 12,60 m de comprimento, 3,60 m de boca e 1,70 m de pontal.
Os artífices de Peniche vão sempre tentando não ficar para trás nos seus modelos de construção. Anos depois, em 1936, foi construída uma traineira que ostenta já alterações de formato, principalmente à proa, equipada com o primeiro motor a gasóleo. Nos primeiros anos da década de 50 são construídas as traineiras do modelo “popa de leque”, forma prática de desviar as redes da hélice, já que a manobra destas era feita a uma das bordas. Em simultâneo foi feito pedido ao Poder Central para que as traineiras passassem a ter aumento de 13 para 14 metros, de modo a permitir instalar um porão de gelo avante do porão do peixe.
A partir de então, nos meados do século vinte, regista-se a grande evolução da construção naval em Peniche. A frota estava envelhecida e desactualizada para a captura do grande volume de peixe já movimentado na época.
Os pequenos estaleiros que existiam em recintos fechados, nas ruas das Amoreiras e S. Marcos, Largo de Nossa Senhora da Conceição e outros, foram substituídos por áreas espaçosas, junto à costa. Constituíram-se firmas e facilitou-se o ingresso de novos aprendizes no ofício.
Com as novas instalações, junto às praias, deixou de ter grande utilidade para o fim para que foi criada a chamada “Rampa da Ribeira”, construída entre o Campo da Torre (Campo da República - junto da entrada exterior para a Fortaleza) e a praia do então Portinho de Revés. Esta rampa, revestida a pedra polida, foi durante muitos anos o caminho das embarcações que no seu “bota-abaixo” atravessavam o Campo da República em direcção ao mar.
(continuação da página anterior)
Contudo, com as suas mudanças, a nobre arte da carpintaria naval não perdeu o velho sabor do segredo medieval. As suas modalidades de trabalho bastante contribuíram para as obras primas apresentadas. À volta da industria da construção naval propriamente dita passou a girar uma série de indústrias auxiliares ou complementares (fabricação e manutenção de motores, a serralharia específica, o material eléctrico, etc.), sendo que actualmente nos estaleiros navais existentes por todo o país só é construído o casco da embarcação, que representa aproximadamente 50% do seu valor total.
É curioso salientar que após a grande evolução da construção naval em Peniche, em 1961 , estavam registadas na Capitania do Porto de Peniche 305 embarcações de propulsão mecânica e 447 de velas e remos e que em 1982 se mantinham os números elevados de 316 e 901 (entre as quais 44 traineiras, 20 cercadores e 72 embarcações da pesca industrial não associada.
Havia, sem dúvida trabalho suficiente para os quatro principais estaleiros e outros de menor importância. Neles 300 pessoas trabalhavam em barcos de madeira, não só nas grandes construções mas também nas grandes e pequenas reparações.
Com o afastamento dos principais mestres calafates, pelas idades avançadas e pelas doenças a que foram sujeitos, alguns dos seus operários e discípulos juntaram-se e formaram, a 27 de Março de 1977, uma cooperativa designada por UNIÃO DA GAMBOA - ESTALEIROS NAVAIS DE PENICHE - Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada, constituída por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Peniche. Dela faziam parte 13 elementos. (Livro de Notas número 2/D). Mais tarde, a 9/11/1983, no mesmo Cartório Notarial, foi consagrada alteração dos estatutos da cooperativa, na presença do Notário Rui Jorge Pereira Mendes.
Com o encerramento dos outros espaços ficou a funcionar o estaleiro da Praia da Gamboa
(junto da Estrada Nacional n.° 114, na freguesia de Ajuda, em Peniche.
No mês de Outubro de 2003 o Último barco em construção naquele estaleiro, o “Principe do Alentejo”, encomenda de um armador de Sines para a pesca do cerco, estava em acabamentos para ser lançada à agua e os 10 trabalhadores que acompanharam a obra viram o seu futuro incerto e preocupante com a falta de encomendas para construção de novas embarcações.
A crise vivida no sector das pescas deu origem ao encerramento deste estaleiro, um dos Últimos resistentes na arte da construção naval em madeira não só em Peniche como no País. O currículo desta empresa foi vasto na sua modalidade de construção. Dedicou-se não só à construção de embarcações de pesca como de recreio e de transporte de passageiros. Foi deste estaleiro que saiu para as águas do Atlântico o “Cabo Avelar Pessoa”, embarcação que faz o transporte para a ilha da Berlenga. A maioria das construções foram encomendas de traineiras (barcos entre os 18/20 metros) mas a maior obra ali concretizada foi uma embarcação com 32 metros de comprimento.
Continuam em actividade os Estaleiros Navais do Porto de Peniche, autorizada a concessão da construção e exploração à Junta Autónoma dos Porto do Centro, outorgada mediante concurso público conforme deliberação do Conselho de Ministros de 30/4/1992.
Em plena actividade, parte das suas obras é feita com materiais inovadores à base de poliéster com fibra de vidro. Os Estaleiros Navais de Peniche construíram já 10 embarcações de pesca para o Governo de Cabo Verde, encomenda que ascendeu a 12 milhões de euros (2,4 milhões de contos). Já então, desde a criação deste estaleiro, dele tinham saído seis navios em fibra de vidro e dois de aço. A frente dos destinos desta empresa está Carlos Norberto Freitas Mota, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração.
Continua em actividade o recurso tradicional à madeira pois é de grande necessidade o apoio a dar às reparações da frota existente no nosso porto.
Todo este desenvolvimento naval significa “inovação” e demonstra a capacidade nacional para “produzir embarcações de dimensões significativas com um bom nível de qualidade”.
Continua, assim, a actividade da construção naval em Peniche mantendo a importância económica tem tido ao longo dos séculos, desde a época dos descobrimentos até aos nossos dias.
Não esquecendo a memória de todos aqueles que ao longo dos séculos trabalharam na construção naval em Peniche, recordo aqui o nome de alguns mestres e artífices que no início da primeira metade do século XX se mantinham em actividade. Uma singela homenagem aos grandes mestres irmãos Malheiros (Manuel António Malheiros, Francisco Fernandes Malheiros (Chico Malheiros) e António Malheiros) e seus familiares ligados ao mesmo ramo, mestre Carlos Domingos da Costa e seus filhos, mestre José Carriço, mestre João Principe, mestre Manuel Rapaz, mestre José Inácio Bandeira e outros que os acompanharam (José Homem, José Carepa, Mário Leitão (Mário Carinhas - pai e filho), Cesaltino Leitão (pai e filho) e muitos mais... não esquecendo aqui o trabalho árduo dos “Serradores” que se deslocavam das suas terras por períodos grandes (quase sempre trabalhadores da zona de Pedrogão) que só regressavam às suas terras depois de concluídos os trabalhos que lhes eram confiados.

Acompanhou ao longo dos tempos esta industria a Irmandade dos Carpinteiros Navais, datada de 1 506, que tinha como Patrono o Glorioso “S. ROQUE”, que abrangia todos os trabalhadores da arte, não só em Lisboa como de todo o Pais. Era costume quando algum irmão da Irmandade estava doente pôr-se-lhe à cabeceira da cama a imagem de S. Roque, por ser o advogado contra a peste e bexigas. Outro costume duma interessante ingenuidade, que nos relatam as memórias, era o das filhas dos carpinteiros oferecerem os travesseiros da noite do noivado ao Santo, para serem felizes com os seus maridos.
Subsidiavam-se os carpinteiros mutuamente, não se esquecendo da sua Irmandade até mesmo quando longe no Brasil e resgatavam à sua custa os irmãos prisioneiros dos mouros no norte de Africa.
Resta da veneranda Imagem deste Santo que em tempos existiu ao culto na Igreja de S. Pedro, desta cidade, a pequena cabaça em madeira, seu atributo, em poder actualmente dum particular.
Recordo aqui que a construção naval em Peniche teve, ao longo dos tempos, os seus altos e baixos. Faço questão de aqui mencionar os mais conhecidos calafates de Peniche dos primeiros anos do século XX: Fernando Maria Malheiros
- Isaac d’Assumpção Bernardo - Carlos Domingos da Costa - Francisco Martins e Francisco Maria Malheiros, que eram especialistas em barcos de navegação à vela, designadamente o “Batel”, o “Lugre”, a “Barca”, a “Escuna”, o “Cerco volante”, o “Palhabote”, o “Patacho”, o “Caíque” e as lanchas.
Os ventos da História mudaram e à medida que a revolução industrial avançava as velas foram rareando e com elas os bonitos veleiros.

Foi então, nos fins da década de vinte, que as barcas e os caíques, mais usuais na nossa praça, começaram a ser substituídos pelas traineiras. O seu tempo tinha passado, já não era rentável a embarcação à vela, dado terem surgido fontes alternativas de energia com melhores rendimento.
Foram a máquina a vapor e o motor que fizeram arriar as velas.
Passaram a construir-se aqui traineiras do modelo entrado nesta praça em 1913, o primeiro exemplar comprado em Vigo a 19 de Abril daquele ano por António Andrade, de Peniche, modelo de embarcação que passa a ser denomina do “traineira tipo Vigo”.
As sucessivas alterações nas dimensões e características dos cascos das traineiras tipo Vigo resultaram no modelo dito “tipo Peniche”, que surge em 1927 - com a sua popa direita e motor a petróleo, com as dimensões de 12,60 m de comprimento, 3,60 m de boca e 1,70 m de pontal.
Os artífices de Peniche vão sempre tentando não ficar para trás nos seus modelos de construção. Anos depois, em 1936, foi construída uma traineira que ostenta já alterações de formato, principalmente à proa, equipada com o primeiro motor a gasóleo. Nos primeiros anos da década de 50 são construídas as traineiras do modelo “popa de leque”, forma prática de desviar as redes da hélice, já que a manobra destas era feita a uma das bordas. Em simultâneo foi feito pedido ao Poder Central para que as traineiras passassem a ter aumento de 13 para 14 metros, de modo a permitir instalar um porão de gelo avante do porão do peixe.
A partir de então, nos meados do século vinte, regista-se a grande evolução da construção naval em Peniche. A frota estava envelhecida e desactualizada para a captura do grande volume de peixe já movimentado na época.
Os pequenos estaleiros que existiam em recintos fechados, nas ruas das Amoreiras e S. Marcos, Largo de Nossa Senhora da Conceição e outros, foram substituídos por áreas espaçosas, junto à costa. Constituíram-se firmas e facilitou-se o ingresso de novos aprendizes no ofício.
Com as novas instalações, junto às praias, deixou de ter grande utilidade para o fim para que foi criada a chamada “Rampa da Ribeira”, construída entre o Campo da Torre (Campo da República - junto da entrada exterior para a Fortaleza) e a praia do então Portinho de Revés. Esta rampa, revestida a pedra polida, foi durante muitos anos o caminho das embarcações que no seu “bota-abaixo” atravessavam o Campo da República em direcção ao mar.
(continuação da página anterior)
Contudo, com as suas mudanças, a nobre arte da carpintaria naval não perdeu o velho sabor do segredo medieval. As suas modalidades de trabalho bastante contribuíram para as obras primas apresentadas. À volta da industria da construção naval propriamente dita passou a girar uma série de indústrias auxiliares ou complementares (fabricação e manutenção de motores, a serralharia específica, o material eléctrico, etc.), sendo que actualmente nos estaleiros navais existentes por todo o país só é construído o casco da embarcação, que representa aproximadamente 50% do seu valor total.

É curioso salientar que após a grande evolução da construção naval em Peniche, em 1961 , estavam registadas na Capitania do Porto de Peniche 305 embarcações de propulsão mecânica e 447 de velas e remos e que em 1982 se mantinham os números elevados de 316 e 901 (entre as quais 44 traineiras, 20 cercadores e 72 embarcações da pesca industrial não associada.
Havia, sem dúvida trabalho suficiente para os quatro principais estaleiros e outros de menor importância. Neles 300 pessoas trabalhavam em barcos de madeira, não só nas grandes construções mas também nas grandes e pequenas reparações.
Com o afastamento dos principais mestres calafates, pelas idades avançadas e pelas doenças a que foram sujeitos, alguns dos seus operários e discípulos juntaram-se e formaram, a 27 de Março de 1977, uma cooperativa designada por UNIÃO DA GAMBOA - ESTALEIROS NAVAIS DE PENICHE - Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada, constituída por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Peniche. Dela faziam parte 13 elementos. (Livro de Notas número 2/D). Mais tarde, a 9/11/1983, no mesmo Cartório Notarial, foi consagrada alteração dos estatutos da cooperativa, na presença do Notário Rui Jorge Pereira Mendes.
Com o encerramento dos outros espaços ficou a funcionar o estaleiro da Praia da Gamboa
(junto da Estrada Nacional n.° 114, na freguesia de Ajuda, em Peniche.
No mês de Outubro de 2003 o Último barco em construção naquele estaleiro, o “Principe do Alentejo”, encomenda de um armador de Sines para a pesca do cerco, estava em acabamentos para ser lançada à agua e os 10 trabalhadores que acompanharam a obra viram o seu futuro incerto e preocupante com a falta de encomendas para construção de novas embarcações.
A crise vivida no sector das pescas deu origem ao encerramento deste estaleiro, um dos Últimos resistentes na arte da construção naval em madeira não só em Peniche como no País. O currículo desta empresa foi vasto na sua modalidade de construção. Dedicou-se não só à construção de embarcações de pesca como de recreio e de transporte de passageiros. Foi deste estaleiro que saiu para as águas do Atlântico o “Cabo Avelar Pessoa”, embarcação que faz o transporte para a ilha da Berlenga. A maioria das construções foram encomendas de traineiras (barcos entre os 18/20 metros) mas a maior obra ali concretizada foi uma embarcação com 32 metros de comprimento.
Continuam em actividade os Estaleiros Navais do Porto de Peniche, autorizada a concessão da construção e exploração à Junta Autónoma dos Porto do Centro, outorgada mediante concurso público conforme deliberação do Conselho de Ministros de 30/4/1992.
Em plena actividade, parte das suas obras é feita com materiais inovadores à base de poliéster com fibra de vidro. Os Estaleiros Navais de Peniche construíram já 10 embarcações de pesca para o Governo de Cabo Verde, encomenda que ascendeu a 12 milhões de euros (2,4 milhões de contos). Já então, desde a criação deste estaleiro, dele tinham saído seis navios em fibra de vidro e dois de aço. A frente dos destinos desta empresa está Carlos Norberto Freitas Mota, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração.
Continua em actividade o recurso tradicional à madeira pois é de grande necessidade o apoio a dar às reparações da frota existente no nosso porto.

Todo este desenvolvimento naval significa “inovação” e demonstra a capacidade nacional para “produzir embarcações de dimensões significativas com um bom nível de qualidade”.
Continua, assim, a actividade da construção naval em Peniche mantendo a importância económica tem tido ao longo dos séculos, desde a época dos descobrimentos até aos nossos dias.
Não esquecendo a memória de todos aqueles que ao longo dos séculos trabalharam na construção naval em Peniche, recordo aqui o nome de alguns mestres e artífices que no início da primeira metade do século XX se mantinham em actividade. Uma singela homenagem aos grandes mestres irmãos Malheiros (Manuel António Malheiros, Francisco Fernandes Malheiros (Chico Malheiros) e António Malheiros) e seus familiares ligados ao mesmo ramo, mestre Carlos Domingos da Costa e seus filhos, mestre José Carriço, mestre João Principe, mestre Manuel Rapaz, mestre José Inácio Bandeira e outros que os acompanharam (José Homem, José Carepa, Mário Leitão (Mário Carinhas - pai e filho), Cesaltino Leitão (pai e filho) e muitos mais... não esquecendo aqui o trabalho árduo dos “Serradores” que se deslocavam das suas terras por períodos grandes (quase sempre trabalhadores da zona de Pedrogão) que só regressavam às suas terras depois de concluídos os trabalhos que lhes eram confiados.