O grande passo que Peniche conquistou ao longo dos anos.
São poucas as pessoas que se lembram de Peniche de outros tempos,
com referencia ainda a nos princípios do segundo quartel do século
passado, só nos resta os conhecimentos dos elementos que nos
ficaram. Temos que dar a mão a palmatoria, ao recordarmos a passagem
por Peniche, em Agosto 1919, do escritor Raùl Brandão, autor do
livro “ Os pescadores”. No seu desabafo, fazendo referência à
pouca higiene desta península, dizia: “ Peniche é horrível,
cheira que tromba”. Em contrapartida, de visita à ilha do Baleal,
escrevia: “que é a mais linda praia da terra portuguesa”. O
escritor deu uma no cravo e outra na ferradura para não ficarmos
muito magoados. Não vou discutir o que era Peniche na época, mas ao
que tenho conhecimento, Raul Brandão não deixa de ter razão,
declarações que possivelmente não apanharam a municipalidade de
surpresa.
Na presidência municipal de Luís
Maria Freire de Andrade, no triénio de 1923 a 1925, pela necessidade
de tornar a zona da Ribeira mais asseada, visto que em dias de
elevado movimento de pesca, este ponto da vila se tornava quase
intransitável, agravado ainda com os despojos que vinham dos
diversos armazéns da preparação de peixe que não possuíam os
necessários esgotos, pensou a autarquia em mandar construir um
colector geral que partindo do ponto mais alto, designado por peça,
da então Rua Almirante Reis ( actual Avenida do Mar), fosse desaguar
ao mar no porto designado por “De Revés”. Com a realização
desta obra solucionou-se o problema com o saneamento da Ribeira, com
a canalizações largas em alvenaria cobertas com lajedos arrancados
na nossa costa.
No que diz respeito a limpeza e a higiene, Peniche estava bem
longe de ser uma vila modernizada e limpa.Precisávamos, no entanto,
afirmar que havia boa vontade da parte de todos os habitantes, na
coadjuvação deste importante e grave problema. Na época dada as
circunstâncias precárias e as dificuldades de instalação de uma
rede de esgotos da vila, havia a grande necessidade de fazer
desaparecer, para sempre, as estrumeiras junto das portas e dentro
das habitações. Também era de toda a necessidade que algumas mães
educassem os seus filhos para que deixassem de fazer na rua, junto
das portas das habitações, as necessidades fisiológicas, sem
respeito algum pelos mais rudimentares princípios de limpeza, de
educação e de moral, transgredindo assim as posturas municipais, em
que destaco o Código de Posturas da Câmara Municipal de Peniche,
aprovado em sessão da Comissão Distrital de 10 de Dezembro de 1913,
no capitulo XXIII da higiene e Salubridade Pública. Era preciso
respeitar, pondo em prática o referido código, acabar de vez com o
péssimo hábito de varrer o lixo e outras imundices para a rua,
quando este devia ser reservado em caixotes tapados até podendo ser,
evitando assim a aglomeração do então infernal mosquedo, e os
quais todos os dias da manhã se colocavam às portas das habitações
para serem recolhidos pelo pessoal da limpeza ao serviço do
Município e despejado nas respectivas carroças do lixo, então na
época puxadas por um macho.
Em continuação com os velhos usos e maus costumes da época, era
preciso, finalmente, pôr termo ao vergonhoso e repugnante
espectáculo dos grupos de certas mulheres que, sem respeito algum
pelos habitantes e por quem nos visitava, se entretinham, nalguns
pontos até mais frequentados da vila, despiolharem-se com o maior
descaro, atestando, assim, a sua grande falta de asseio, tanto
corporal como espiritual.
No meio de todos estes cumprimentos a exigir da população o
melhor sentido de viver, procurando recursos mais favoráveis à
saúde em geral, havia também que pôr mãos à obra das condições
sanitárias necessárias para assegurar a qualidade de vida da
população, através da canalização dos esgotos para usos
domésticos, com o desempenho das águas pluviais que lhes serviria
de descarga na limpeza das canalizações, direito ao mar . Foi a
partir de 1942, na presidência da Câmara Municipal de José
Bonifácio da Silva, que a firma 'Fábricas Jerónimo Pereira
Campos & Filhos', com sede em Aveiro, forneceu à autarquia,
manilhas de grés cerâmica e acessórios destinados à rede de
esgotos de Peniche. Foi o referido contrato assinado com a firma
fornecedora a 9 de Julho de 1942, pela importância de 311.673$45,
depois da deliberação camarária tornada em sessão no dia 2
daquele mês e ano, cuja a obra só foi possível pelo empréstimo
feito daquela importância à Caixa Geral de Depósitos, com sede em
Lisboa, entidade que muito contribuiu para as obras das autarquias.
Por todo o espaço destinado ao assentamento de manilhas e caixas de
derivação, foi difícil o trabalho executado com a força dos
braços dos seus executantes, depois de extraírem toda a pedra
encontrada todo longo do percurso no subsolo. As despesas foram
avultadas, o que obrigou a um trabalho demorado e por zonas, a
incluir nos orçamentos municipais para os anos que se seguiam.
O presidente da municipalidade que se seguiu, José da Mota
Coutinho Garrido, deu o grande arranque durante o seu mandato, quase
exclusivamente preenchido com aquela obra de grande interesse para
Peniche, onde também foram incluídas as águas pluviais, com
valetas nos arruamentos e sarjetas para receberem as águas da chuva,
ao mesmo tempo e no mesmo percurso do assentamento das manilhas, se
procedeu à destruição dos sumidouros particulares e públicos,
além dos canos parciais e sifões.
Também o presidente que se seguiu, António da Conceição Bento, a
partir do seu mandato, a 4 de Agosto de 1946, deu continuação às
obras de saneamento com grande desenvolvimento, atendendo a grande
evolução da construção de bairros sociais e particulares, com o
rasgar de novos arruamentos e ao mesmo tempo substituição das
antigas manilhas de grés por outras em cimento de maiores dimensões,
justificando a grande evolução populacional que Peniche estava a
sentir.
Até então continuava-se a fazer todos os despejos para o mar em
todas as direcções. Todo o núcleo habitacional da baixa de Peniche
tinha o seu percurso direito ao fosso da fortaleza, vulgarmente
conhecido por Doca, com diversas saídas na muralha. Junto a prainha
de S. Pedro, na esquina do Baluarte, na entrada principal para a
Fortaleza, funcionou por longos anos uma pia larga de despejo para os
particulares que não tinham esgotos nas suas próprias habitações,
resolvendo assim a muitas mulheres o problema com um pote – também
vulgarmente conhecido por azado – em que ao fim do dia despejavam
os dejectos. A parte alta da vila também tinha o seu problema
resolvido com o esgotar para o carreiro fedorento, na costa sul.
Foi já no dealbar do século que novos rumos foram criados a
favor do saneamento na cidade de Peniche, que passo a descrever um
pequeno resumo:” A nova Estação de Tratamento de Águas
Residuais ( ETAR) de Peniche, foi oficialmente inaugurada a 29 de
Agosto de 2001 numa cerimonia presidida pelo ministro do ambiente,
José Sócrates, na presença de Jorge Resende Gonçalves, então a
frente dos destinos do Município e outras entidades civis e
militares”. Esta estação tem a capacidade de tratamento para mais
de 46 mil habitantes e inclui uma unidade de tratamento de gorduras
provenientes de gorduras das industrias conserveiras locais,
considerada a maior da Europa, uma obra com um custo global de cerca
de um milhão de contos, 75% dos quais comparticipados por fundos
comunitários e os restantes 25% pela autarquia.
Texto & Fotos: Fernando Engenheiro
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